terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

(2) Sobre o estado da alma depois da morte - João Gaspar Laváter - segunda carta a Imperatriz da Rússia

 

(*)Correspondência ineditas de Laváter - preâmbulo

LAVATER

Primeira Carta a Imperatriz da Rússia

 

SEGUNDA CARTA A IMPERATRIZ DA RÚSSIA

As necessidades experimentadas pelo Espírito durante o seu desterro no corpo material, ele continua a senti-las depois de o abandonar.(1)

A felicidade para ele consistirá na satisfação dessas necessidades; a condenação resulta da impossibilidade de satisfazer seus apetites carnais no mundo espiritual, onde então se acha.

Tais necessidades constituem lhe uma condenação, pois somente ficaria satisfeita se pudesse saciá-las.

Eu quisera poder dizer a toda à gente: analisa o caráter de tuas necessidades, dá-lhes o verdadeiro nome, e depois pergunta a ti mesmo: serão tais vícios admissíveis no mundo espiritual? Podem achar em tal mundo sua legítima satisfação? E, caso possam ser aí saciados, serão eles, porventura, daqueles que o Espírito imortal não sinta profunda vergonha em confessar honrosamente que os tem e deseja satisfazê-los à face dos outros seres espirituais e imortais como ele?

A necessidade de satisfazer aspirações espirituais de outras almas imortais, de procurar os puros gozos da existência, de inspirar a certeza da continuação da vida depois da morte, de cooperar, por esse meio, no grande plano da sabedoria e do amor supremos, o progresso adquirido por essa nobre atividade, tão digna como o desejo desinteressado do bem, permitem às almas a aptidão, e o direito de serem recebidas nos grupos ou círculos de Espíritos mais elevados, os mais puros, os mais santos.

Quando tivermos, ó veneranda senhora, a íntima persuasão de que a necessidade mais natural que pode nascer numa alma imortal é a de aproximar-se cada vez mais de Deus e de assemelhar-se ao Pai de todas as criaturas, quando essa necessidade predominar em nós, oh! Então nenhum receio deveremos nutrir a respeito do nosso futuro, ao ficarmos despojados do corpo, essa espessa muralha que nos oculta o Criador.

Esse corpo material que nos separa dEle, será decomposto e o véu que nos tolhia a vista do mais Santo dos santos, será rasgado. O ser adorável, a quem amávamos sobre todas as coisas, terá então, com suas esplendorosas graças, livre entrada em nossa alma, sedenta dEle, e que então o receberá com alegria e amor.

Desde que o amor de Deus seja o maior de nossa alma, esta, por obra dos esforços empregados para se aproximar e se assemelhar a Ele em seu amor vivificante da Humanidade, essa alma, desembaraçada do seu corpo, passando sucessivamente por muitos graus para aperfeiçoar-se cada vez mais, subirá com assombrosa velocidade até ao objeto de sua mais profunda veneração e de seu amor ilimitado, até ao inesgotável manancial, único que poderá satisfazer todas as necessidades e aspirações.

Nenhuma vista débil, enferma ou coberta de névoa, poderá fixar-se no Sol; do mesmo modo, nenhum Espírito impuro envolto na névoa formada por uma vida exclusivamente material, poderá, embora libertado do corpo, suportar a vista do mais puro sol dos Espíritos em sua esplendorosa luz, não poderá ver esse foco de que partem raios de luz e de sentimentos infinitos, que penetram todos os recessos da criação.

Quem melhor do que vós. Senhora sabe que os bons são atraídos para os bons? Que só as almas elevadas sabem gozar da presença de outras almas dedicadas?

Quem for conhecedor da vida, e dos homens, esse que muitas vezes se tem encontrado na sociedade com aduladores pouco recatados, com efeminados e pessoas sem caráter, pressurosas sempre em fazer sobressair à palavra mais insignificante, a menor alusão, para mendigarem favores, quem conhecer os hipócritas que buscam cuidadosamente penetrar o pensamento dos outros para interpretá-los em sentido contrário ao verdadeiro; esse homem superior, digo, deve saber como e quanto essas almas vis e escravas se sentem subitamente feridas e trespassadas por uma simples palavra pronunciada com firmeza e dignidade, e como ficam elas confundidas ante um olhar severo que lhes faça sentir que são conhecidas e julgadas pelo seu justo valor.

Quão penoso lhe é então suportar a presença de um homem horado!

Nenhuma alma vil e hipócrita pode sentir-se bem ao contato de uma alma nobre e enérgica, que lhe penetrou os sentimentos.

A alma impura, que deixou o corpo, deve, por sua natureza íntima, como que atuada por força oculta e invencível, fugir à presença de todo ser puro e luminoso, a fim de lhe ocultar, tanto quanto for possível, as imperfeições que não pode esconder a si e às suas iguais.

Ainda que não estivesse escrito: “ninguém poderá ver o Senhor sem estar purificado”, esta ideia permanece na ordem natural das coisas.

Uma alma impura está naturalmente colocada em condições de não poder entreter relações com uma alma pura, e mesmo de não poder ter simpatia por ela.

Uma alma que teme a luz não pode, pela mesma razão, ser atraída para o manancial da luz. A claridade sem mescla de trevas deve abrasá-la como um fogo devorador.

E quais são senhora, as almas a que chamamos impuras? Creio que são aquelas em que nunca despontou o desejo de purificar-se, de corrigir-se, de aperfeiçoar-se. Creio que são aquelas que jamais se curvaram ao elevado princípio do desinteresse, aquelas que se constituíram o centro único de todos os seus desejos e de todas as suas ideias, aquelas que se consideram o objeto de tudo o que existe e que somente procuram o meio de satisfazer suas paixões e seus sentidos, aquelas, enfim, em que dominam o orgulho, o egoísmo, o amor-próprio, o interesse pessoal e querem, ao mesmo tempo, servir a dois senhores que se contradizem.

Semelhantes almas devem encontrar-se, depois da sua separação do corpo, segundo me parece, no miserando estado de uma horrível contemplação de si mesmas, ou, o que vale o mesmo, sentem reciprocamente um profundo desprezo por si, e serão arrastadas por uma força irresistível para a esmagadora sociedade de outras almas egoístas. (2)

O egoísmo, pois, é que produz a impureza da alma e acarreta o sofrimento.

O egoísmo é combatido por alguma coisa de puro e divino que existe na alma: - o sentimento moral.

Sem esse sentimento, o homem seria incapaz de qualquer gozo moral, da estima ou de desprezo por si mesmo, da esperança ou do temor da vida futura. Essa luz divina é que lhe faz insuportável toda à obscuridade que existe em si, e ela aí a razão pela qual as almas dedicadas, que possuem o senso moral, sofrem cruelmente, quando o egoísmo se apodera delas e as domina.

Da concordância e da harmonia que se estabelece no homem, entre ele mesmo e sua lei íntima, dependem sua pureza, sua aptidão para receber a luz, sua ventura, seu céu e seu Deus, que então lhe aparece assemelhando-se a ele próprio.

Àquele que sabe amar, Deus aparece como um supremo amor sob mil formas amantes (3), e seu grau de felicidade ou de aptidão para fazer ditosos aos outros, são proporcionais ao princípio de amor que ele sente.

Aquele que ama sem interesse, vive em harmonia com o manancial de todo o amor, e com todos os que nele bebem.

Procuremos, pois, senhora, conservar em nós o amor em toda a sua pureza, e seremos sempre atraídos para as almas amorosas.

Purifiquemo-nos progressivamente das máculas do egoísmo, porque quando tenhamos de abandonar este mundo, evolvendo a terra nosso invólucro mortal, nossa alma tomará seu voo com a velocidade do raio, até alcançar o modelo de todos os que amam e unir-se a ele com inefável alegria.

Nenhum de nós pode saber qual será a sorte da alma depois da morte do corpo; entretanto, estou plenamente convencido de que, depois de rotos os laços da matéria, o amor purificado deve necessariamente dar ao nosso Espírito uma existência feliz, um gozo contínuo de Deus e um poder ilimitado para fazer ditosos todos os que são aptos para a felicidade.

Oh! Quão incomparável é a liberdade moral do Espírito despojado do corpo! Com que ligeireza o Espírito do bem, rodeado de clara luz, efetua a sua ascensão! A ciência e o poder de comunicar com outros são seu patrimônio! Que luz emite de si! Que vida se irradia de todo seu ser!

As mais límpidas claridades aparecem de todos os lados, a fim de satisfazerem suas necessidades mais puras e elevadas! Legiões numerosas de bons Espíritos o recebem em seu seio. Vozes harmoniosas, radiantes de amor e de alegria lhe dizem: Espírito de nosso Espírito, coração de nosso coração, amor saído da fonte de todo o amor, alma do bem, tu nos pertences e nós somos teus! Cada um de nós te pertence, e tu pertences a cada um de nós. Deus é amor e está conosco. Somos cheios da Divindade e o amor encontra sua felicidade na felicidade de todos.

Desejo ardentemente, venerada senhora, que vós e vosso nobre e generoso esposo, o imperador, tão inclinado um e outro ao bem, possais, do mesmo modo que eu, nunca ser estranhos ao amor que é Deus, e homem ao mesmo tempo, e que seja concedido nos purificarmos por nossas obras, nossas orações e nossos sofrimentos, acercando-nos mais e mais dAquele que se deixou elevar na cruz do Gólgota.

Zurique, 18 de agosto de 1798.

João Gaspar Laváter

(Brevemente recebereis minha terceira carta)

 

  (   (1)Esse estado é uma consequência do passado, mas os Espíritos adiantados estão livres disso. Lede a obra “O Céu e o Inferno”. 

  ) (2)Tudo se combina, as encadeia e procede das mesmas leis, embora os meios sejam diferentes. Lede a obra “O Céu e o Inferno”.

 (3  (3)Atendendo-se ao fato de não ser ainda permitido conhecer o mistério da Divindade, esta definição parece suficiente.

 

Extraído do livro O PORQUÊ DA VIDA – LÉON DENIS – pág. 64

 

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