(2) Sobre o estado da alma depois da morte - João Gaspar Laváter - segunda carta a Imperatriz da Rússia
LAVATER
SEGUNDA
CARTA A IMPERATRIZ DA RÚSSIA
As
necessidades experimentadas pelo Espírito durante o seu desterro no corpo material, ele continua a senti-las depois de
o abandonar.(1)
A felicidade
para ele consistirá na satisfação dessas necessidades; a condenação resulta da
impossibilidade de satisfazer seus apetites carnais no mundo espiritual, onde
então se acha.
Tais
necessidades constituem lhe uma condenação, pois somente ficaria satisfeita se
pudesse saciá-las.
Eu quisera
poder dizer a toda à gente: analisa o caráter de tuas necessidades, dá-lhes o
verdadeiro nome, e depois pergunta a ti mesmo: serão tais vícios admissíveis no
mundo espiritual? Podem achar em tal mundo sua legítima satisfação? E, caso
possam ser aí saciados, serão eles, porventura, daqueles que o Espírito imortal
não sinta profunda vergonha em confessar honrosamente que os tem e deseja
satisfazê-los à face dos outros seres espirituais e imortais como ele?
A necessidade
de satisfazer aspirações espirituais de outras almas imortais, de procurar os
puros gozos da existência, de inspirar a certeza da continuação da vida depois
da morte, de cooperar, por esse meio, no grande plano da sabedoria e do amor
supremos, o progresso adquirido por essa nobre atividade, tão digna como o
desejo desinteressado do bem, permitem às almas a aptidão, e o direito de serem
recebidas nos grupos ou círculos de Espíritos mais elevados, os mais puros, os
mais santos.
Quando
tivermos, ó veneranda senhora, a íntima persuasão de que a necessidade mais
natural que pode nascer numa alma imortal é a de aproximar-se cada vez mais de
Deus e de assemelhar-se ao Pai de todas as criaturas, quando essa necessidade
predominar em nós, oh! Então nenhum receio deveremos nutrir a respeito do nosso
futuro, ao ficarmos despojados do corpo, essa espessa muralha que nos oculta o
Criador.
Esse corpo
material que nos separa dEle, será decomposto e o véu que nos tolhia a vista do
mais Santo dos santos, será rasgado. O ser adorável, a quem amávamos sobre
todas as coisas, terá então, com suas esplendorosas graças, livre entrada em
nossa alma, sedenta dEle, e que então o receberá com alegria e amor.
Desde que o
amor de Deus seja o maior de nossa alma, esta, por obra dos esforços empregados
para se aproximar e se assemelhar a Ele em seu amor vivificante da Humanidade,
essa alma, desembaraçada do seu corpo, passando sucessivamente por muitos graus
para aperfeiçoar-se cada vez mais, subirá com assombrosa velocidade até ao
objeto de sua mais profunda veneração e de seu amor ilimitado, até ao
inesgotável manancial, único que poderá satisfazer todas as necessidades e
aspirações.
Nenhuma
vista débil, enferma ou coberta de névoa, poderá fixar-se no Sol; do mesmo
modo, nenhum Espírito impuro envolto na névoa formada por uma vida
exclusivamente material, poderá, embora libertado do corpo, suportar a vista do
mais puro sol dos Espíritos em sua esplendorosa luz, não poderá ver esse foco
de que partem raios de luz e de sentimentos infinitos, que penetram todos os
recessos da criação.
Quem melhor
do que vós. Senhora sabe que os bons são atraídos para os bons? Que só as almas
elevadas sabem gozar da presença de outras almas dedicadas?
Quem for
conhecedor da vida, e dos homens, esse que muitas vezes se tem encontrado na
sociedade com aduladores pouco recatados, com efeminados e pessoas sem caráter,
pressurosas sempre em fazer sobressair à palavra mais insignificante, a menor
alusão, para mendigarem favores, quem conhecer os hipócritas que buscam
cuidadosamente penetrar o pensamento dos outros para interpretá-los em sentido
contrário ao verdadeiro; esse homem superior, digo, deve saber como e quanto
essas almas vis e escravas se sentem subitamente feridas e trespassadas por uma
simples palavra pronunciada com firmeza e dignidade, e como ficam elas
confundidas ante um olhar severo que lhes faça sentir que são conhecidas e julgadas
pelo seu justo valor.
Quão penoso
lhe é então suportar a presença de um homem horado!
Nenhuma alma
vil e hipócrita pode sentir-se bem ao contato de uma alma nobre e enérgica, que
lhe penetrou os sentimentos.
A alma
impura, que deixou o corpo, deve, por sua natureza íntima, como que atuada por
força oculta e invencível, fugir à presença de todo ser puro e luminoso, a fim
de lhe ocultar, tanto quanto for possível, as imperfeições que não pode
esconder a si e às suas iguais.
Ainda que
não estivesse escrito: “ninguém poderá ver o Senhor sem estar purificado”, esta
ideia permanece na ordem natural das coisas.
Uma alma
impura está naturalmente colocada em condições de não poder entreter relações
com uma alma pura, e mesmo de não poder ter simpatia por ela.
Uma alma que
teme a luz não pode, pela mesma razão, ser atraída para o manancial da luz. A claridade
sem mescla de trevas deve abrasá-la como um fogo devorador.
E quais são
senhora, as almas a que chamamos impuras?
Creio que são aquelas em que nunca despontou o desejo de purificar-se, de
corrigir-se, de aperfeiçoar-se. Creio que são aquelas que jamais se curvaram ao
elevado princípio do desinteresse, aquelas que se constituíram o centro único
de todos os seus desejos e de todas as suas ideias, aquelas que se consideram o
objeto de tudo o que existe e que somente procuram o meio de satisfazer suas
paixões e seus sentidos, aquelas, enfim, em que dominam o orgulho, o egoísmo, o
amor-próprio, o interesse pessoal e querem, ao mesmo tempo, servir a dois
senhores que se contradizem.
Semelhantes
almas devem encontrar-se, depois da sua separação do corpo, segundo me parece,
no miserando estado de uma horrível contemplação de si mesmas, ou, o que vale o
mesmo, sentem reciprocamente um profundo desprezo por si, e serão arrastadas
por uma força irresistível para a esmagadora sociedade de outras almas egoístas.
(2)
O egoísmo,
pois, é que produz a impureza da alma e acarreta o sofrimento.
O egoísmo é
combatido por alguma coisa de puro e divino que existe na alma: - o sentimento
moral.
Sem esse
sentimento, o homem seria incapaz de qualquer gozo moral, da estima ou de
desprezo por si mesmo, da esperança ou do temor da vida futura. Essa luz divina
é que lhe faz insuportável toda à obscuridade que existe em si, e ela aí a razão
pela qual as almas dedicadas, que possuem o senso moral, sofrem cruelmente,
quando o egoísmo se apodera delas e as domina.
Da
concordância e da harmonia que se estabelece no homem, entre ele mesmo e sua
lei íntima, dependem sua pureza, sua aptidão para receber a luz, sua ventura,
seu céu e seu Deus, que então lhe aparece assemelhando-se a ele próprio.
Àquele que
sabe amar, Deus aparece como um supremo amor sob mil formas amantes (3), e seu
grau de felicidade ou de aptidão para fazer ditosos aos outros, são
proporcionais ao princípio de amor que ele sente.
Aquele que
ama sem interesse, vive em harmonia com o manancial de todo o amor, e com todos
os que nele bebem.
Procuremos, pois,
senhora, conservar em nós o amor em toda a sua pureza, e seremos sempre
atraídos para as almas amorosas.
Purifiquemo-nos
progressivamente das máculas do egoísmo, porque quando tenhamos de abandonar
este mundo, evolvendo a terra nosso invólucro mortal, nossa alma tomará seu voo
com a velocidade do raio, até alcançar o modelo de todos os que amam e unir-se
a ele com inefável alegria.
Nenhum de
nós pode saber qual será a sorte da alma depois da morte do corpo; entretanto,
estou plenamente convencido de que, depois de rotos os laços da matéria, o amor
purificado deve necessariamente dar ao nosso Espírito uma existência feliz, um
gozo contínuo de Deus e um poder ilimitado para fazer ditosos todos os que são
aptos para a felicidade.
Oh! Quão
incomparável é a liberdade moral do Espírito despojado do corpo! Com que
ligeireza o Espírito do bem, rodeado de clara luz, efetua a sua ascensão! A
ciência e o poder de comunicar com outros são seu patrimônio! Que luz emite de
si! Que vida se irradia de todo seu ser!
As mais
límpidas claridades aparecem de todos os lados, a fim de satisfazerem suas
necessidades mais puras e elevadas! Legiões numerosas de bons Espíritos o
recebem em seu seio. Vozes harmoniosas, radiantes de amor e de alegria lhe
dizem: Espírito de nosso Espírito, coração de nosso coração, amor saído da
fonte de todo o amor, alma do bem, tu nos pertences e nós somos teus! Cada um
de nós te pertence, e tu pertences a cada um de nós. Deus é amor e está
conosco. Somos cheios da Divindade e o amor encontra sua felicidade na
felicidade de todos.
Desejo
ardentemente, venerada senhora, que vós e vosso nobre e generoso esposo, o
imperador, tão inclinado um e outro ao bem, possais, do mesmo modo que eu,
nunca ser estranhos ao amor que é Deus, e homem ao mesmo tempo, e que seja
concedido nos purificarmos por nossas obras, nossas orações e nossos
sofrimentos, acercando-nos mais e mais dAquele que se deixou elevar na cruz do
Gólgota.
Zurique, 18
de agosto de 1798.
João Gaspar
Laváter
(Brevemente
recebereis minha terceira carta)
( (1)Esse estado é uma consequência do
passado, mas os Espíritos adiantados estão livres disso. Lede a obra “O Céu e o
Inferno”.
) (2)Tudo se combina, as encadeia e
procede das mesmas leis, embora os meios sejam diferentes. Lede a obra “O Céu e
o Inferno”.
(3 (3)Atendendo-se ao fato de não ser ainda
permitido conhecer o mistério da Divindade, esta definição parece suficiente.
Extraído do livro O PORQUÊ DA VIDA – LÉON DENIS – pág. 64
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