terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

(1) Sobre o estado da alma depois da morte - João Gaspar Laváter - primeira carta a Imperatriz da Rússia

(*)Correspondência ineditas de Laváter - preâmbulo

LAVATER

PRIMEIRA CARTA

Sobre o estado da alma depois da morte

IDEIAS GERAIS

Muito veneranda Maria, da Rússia.

Dignai-vos permitir-me a liberdade de não vos dar o título de Majestade, que vos é devido pelo mundo, mas que não se harmoniza com a santidade do assunto sobre o qual desejastes ouvir-me, a fim de eu poder escrever-vos com franqueza e sinceridade.

Desejais conhecer algumas das minhas ideias sobre o estado das almas depois da morte.

Apesar do pouco que é dado ao mais douto conhecer de tal assunto, apesar de nenhum dos que tem partido para essa região (1) ignota, ter jamais voltado, o homem pensador, o discípulo dAquele que desceu até nós, pode, entretanto, dizer quanto é necessário para termos coragem, tranquilidade e podermos refletir.

Desta vez limitar-me-ei a ideias gerais.

Penso que deve existir grande diferença entre o estado, a maneira de sentir e de pensar de uma alma separada do seu corpo material, e o estado em que se achava quando a ele ligada. Essa diferença deve ser tal, pelo menos, qual a que existe entre uma criança recém-nascida e o feto ainda no seio materno (2).

Ligados estamos à matéria, e é pelos órgãos desta que a alma recebe as percepções e o entendimento.

A diferença na construção dos telescópios, dos microscópios e dos óculos comuns, faz que os objetos, que por meio deles vemos, nos apareçam sob formas diferentes.

Nossos sentidos são os telescópios, os microscópios e os óculos necessários à nossa vida material.

Penso que o mundo visível deve ser perfeitamente penetrável para a alma separada do corpo, assim como ele o é durante o sono, ou por outra, o mundo em que a alma estava durante sua existência corpórea, deve aparecer-lhe sob outros aspectos, quando ela se desmaterializa. Se, durante algum tempo, a alma pudesse estar sem corpo, o mundo material não existiria para ela. Se, porém, imediatamente depois de haver deixado o corpo, ela se reveste de um corpo espiritual (3), extraído do seu corpo material (o que me parece muito verossímil), o novo corpo dar-lhe-á, forçosamente, uma diferente percepção das coisas.

Se, como pode suceder às almas impuras, o novo corpo permanecesse durante algum tempo imperfeito e pouco desenvolvido, todo o Universo apareceria à alma em estado confuso e turvo, como se fosse através de um nevoeiro. (4)

Se, porém, o corpo espiritual, o condutor, o intermediário de suas novas impressões, for ou vier a ser mais aperfeiçoado ou mais bem organizado, o mundo da alma lhe aparecerá mais belo e regular, de acordo sempre com a natureza ou as qualidades de seus novos órgãos e com o grau de sua perfeição.

Os órgãos se simplificam, adquirem entre si harmonia e são mais apropriados à natureza, caráter, necessidades e forças da alma, à medida que esta se concentra, se enriquece e se purifica no mundo material, visando um único objetivo e obrando num determinado sentido.

A alma aperfeiçoa em sua existência material as qualidades do corpo espiritual, veículo este com que continuará a existir depois da morte do corpo material, e pelo qual conceberá, sentirá e obrará em sua nova existência (5).

Esse novo corpo, apropriado à sua natureza íntima, fará a alma mais pura e amante, mais viva e apta às belas sensações, impressões, contemplações, ações e gozos.

Tudo o que se pode, e tudo o que, aliás, não se pode ainda dizer sobre o estado da alma depois da morte, será sempre fundado neste axioma permanente e geral: o homem colhe o que houver plantado. (6)

Difícil seria encontrar um princípio mais simples, mais claro, mais abundante e próprio para ser aplicado a todos os casos possíveis.

Existe uma lei geral da Natureza, estreitamente ligada e mesmo identificada com o princípio que acabo de mencionar, relativamente ao estado da alma depois da morte, uma lei que rege todos os mundos e todas as condições possíveis, tanto no mundo visível, como invisível, a saber: - tudo o que se assemelha tende a reunir-se, tudo o que é idêntico se atrai reciprocamente, desde que não haja obstáculos que se oponham a essa união.

Toda doutrina sobre o estado da alma depois da morte baseia-se neste princípio: - tudo o que vulgarmente chamamos juízo prévio, compensação, felicidade suprema, condenação, pode ser explicado deste modo: - se tiveres semeado o bem em ti mesmo e nos outros, fora de ti, pertencerás à sociedade daqueles que, como tu, semearam o bem em si e fora de si; gozarás a estima daqueles a quem te assemelhaste na maneira de fazer o bem.

Cada alma, separada do seu corpo, livre das prisões da matéria, se apresente a si própria tal como é na realidade. (7)

Todas as ilusões, todas as seduções que a impediam de ver e reconhecer suas forças, suas fraquezas ou suas faltas, desaparecerão nesse novo estado. Assim, ela manifestará irresistível tendência a dirigir-se para as almas que lhe estão em afinidade e a afastar-se das que lhe são dessemelhantes. Seu peso intrínseco, como que obedecendo à lei da gravidade, atrai-la-á aos abismos insondáveis (ao menos isso assim lhe parece), ou , segundo o seu grau e força, lançá-la-á, qual chispas por sua ligeireza, aos ares e ela passará rapidamente às regiões luminosas, fluídicas, etéreas.

A alma, por seu senso íntimo, conhece o seu próprio peso, e é este, ou seu estado de progresso, que a impele para diante, para trás ou para os lados, e seu caráter moral ou religioso é que lhe inspira certas tendências particulares.

O bom Espírito elevar-se-á para os bons; será atraído para eles em virtude de necessidade que sente do bem.

O perverso ou mal será forçosamente empurrado (8) para os perversos ou maus. A descida precipitada das almas grosseiras, imorais e irreligiosas para as que se lhes assemelham, será tão rápida e evitável como a queda do junco num abismo onde nada o detém.

Basta por hoje.

Zurique, 1 de agosto de 1796.

João Gaspar Laváter

(Com a permissão de Deus, escrever-vos-ei sobre este assunto, de oito em oito dias.).

 

(1) Os Espíritos nos ensinam que essa região, de onde viemos e para a qual voltamos, é o mundo espiritual ou o Espaço. Ele é apenas desconhecido para os seres encarnados. Quando o nosso corpo repousa, o nosso Espírito vai librar-se nesse mundo, e, ao acordarmos, resta-nos daí quase sempre uma vaga lembrança, que denominamos sonho.

(2) Essa diferença de estado existe também durante o sono, e assim pode-se dizer que morremos todas as noites. Neste estado como no do sonambulismo, o Espírito conserva-se preso ao corpo por um laço fluídico, mas isso não impede o Espírito de transportar-se às regiões acessíveis ao seu grau de adiantamento. A separação entre o Espírito e o corpo torna-se efetiva somente depois da morte deste.

(3) Este corpo espiritual é o que foi designado em “O Livro dos Espíritos” por perispírito, e como tal conserva as aparências que a alma tinha na sua vida material. O perispírito é conservado sempre com a alma e lhe serve de veículo em todas as suas encarnações.

(4) Esse estado constitui a perturbação para a alma, porém é provisório, pois, desde que a alma se depura ou progride, o perispírito se rarefaz e deixa ver as coisas de um modo mais claro.

(5) Essa nova existência é a espiritual, de onde viemos e para a qual voltamos. É aí mesmo que nos preparamos par nova encarnação, cujos principais incidentes são sempre as consequências das vidas anteriores.

(6) Por ocasião da morte do corpo, o Espírito cai numa perturbação, espécie de letargia, cuja duração é variável. Voltando a ter consciência de si, o Espírito reconhece o seu passado, e, então, colhe o que semeou, em virtude da lei das consequências, lei inflexível à qual ninguém pode subtrair-se. Lede a obra “O Céu e o Inferno”

(7) O sonambulismo já ofereceu exemplos de percepções. Depois da morte do corpo, o perispírito tornando-se o principal órgão de transmissão, a percepção se opera em razão do seu grau de progresso. Os Espíritos inferiores não podem portanto ver e julgar como aqueles que são superiores. Lede a obra “O Céu e o Inferno”.

(8) Lei das afinidades. Esses Espíritos inferiores tem uma ocupação útil nas agitações terrestres. Instrumentos voluntários do mal, eles servem para suscitar entre nós as causas das lutas, de que sempre resultam ensino e progresso.

 

Extraído do Livro LÉON DENIS – O PORQUÊ DA VIDA – pag. 58

Segunda Carta

 

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