(1) Sobre o estado da alma depois da morte - João Gaspar Laváter - primeira carta a Imperatriz da Rússia
LAVATER
PRIMEIRA CARTA
Sobre o estado da alma depois da morte
IDEIAS GERAIS
Muito veneranda Maria, da Rússia.
Dignai-vos permitir-me a liberdade de não vos dar o título
de Majestade, que vos é devido pelo mundo, mas que não se harmoniza com a
santidade do assunto sobre o qual desejastes ouvir-me, a fim de eu poder
escrever-vos com franqueza e sinceridade.
Desejais conhecer algumas das minhas ideias sobre o estado
das almas depois da morte.
Apesar do pouco que é dado ao mais douto conhecer de tal
assunto, apesar de nenhum dos que tem partido para essa região (1) ignota, ter
jamais voltado, o homem pensador, o discípulo dAquele que desceu até nós, pode,
entretanto, dizer quanto é necessário para termos coragem, tranquilidade e
podermos refletir.
Desta vez limitar-me-ei a ideias gerais.
Penso que deve existir grande diferença entre o estado, a
maneira de sentir e de pensar de uma alma separada do seu corpo material, e o
estado em que se achava quando a ele ligada. Essa diferença deve ser tal, pelo
menos, qual a que existe entre uma criança recém-nascida e o feto ainda no seio
materno (2).
Ligados estamos à matéria, e é pelos órgãos desta que a alma
recebe as percepções e o entendimento.
A diferença na construção dos telescópios, dos microscópios
e dos óculos comuns, faz que os objetos, que por meio deles vemos, nos apareçam
sob formas diferentes.
Nossos sentidos são os telescópios, os microscópios e os
óculos necessários à nossa vida material.
Penso que o mundo visível deve ser perfeitamente penetrável
para a alma separada do corpo, assim como ele o é durante o sono, ou por outra,
o mundo em que a alma estava durante sua existência corpórea, deve aparecer-lhe
sob outros aspectos, quando ela se desmaterializa. Se, durante algum tempo, a
alma pudesse estar sem corpo, o mundo material não existiria para ela. Se,
porém, imediatamente depois de haver deixado o corpo, ela se reveste de um
corpo espiritual (3), extraído do seu
corpo material (o que me parece muito verossímil), o novo corpo dar-lhe-á,
forçosamente, uma diferente percepção das coisas.
Se, como pode suceder às almas impuras, o novo corpo permanecesse durante algum tempo imperfeito e pouco
desenvolvido, todo o Universo apareceria à alma em estado confuso e turvo,
como se fosse através de um nevoeiro. (4)
Se, porém, o corpo espiritual, o condutor, o intermediário de suas novas impressões, for ou vier a
ser mais aperfeiçoado ou mais bem organizado, o mundo da alma lhe aparecerá
mais belo e regular, de acordo sempre com a natureza ou as qualidades de seus
novos órgãos e com o grau de sua perfeição.
Os órgãos se simplificam, adquirem entre si harmonia e são
mais apropriados à natureza, caráter, necessidades e forças da alma, à medida
que esta se concentra, se enriquece e se purifica no mundo material, visando um
único objetivo e obrando num determinado sentido.
A alma aperfeiçoa em
sua existência material as qualidades do corpo espiritual, veículo este com
que continuará a existir depois da morte do corpo material, e pelo qual
conceberá, sentirá e obrará em sua nova existência (5).
Esse novo corpo, apropriado à sua natureza íntima, fará a
alma mais pura e amante, mais viva e apta às belas sensações, impressões,
contemplações, ações e gozos.
Tudo o que se pode, e tudo o que, aliás, não se pode ainda
dizer sobre o estado da alma depois da morte, será sempre fundado neste axioma
permanente e geral: o homem colhe o que
houver plantado. (6)
Difícil seria encontrar um princípio mais simples, mais
claro, mais abundante e próprio para ser aplicado a todos os casos possíveis.
Existe uma lei geral da Natureza, estreitamente ligada e
mesmo identificada com o princípio que acabo de mencionar, relativamente ao
estado da alma depois da morte, uma lei que rege todos os mundos e todas as
condições possíveis, tanto no mundo visível, como invisível, a saber: - tudo o
que se assemelha tende a reunir-se, tudo o que é idêntico se atrai
reciprocamente, desde que não haja obstáculos que se oponham a essa união.
Toda doutrina sobre o estado da alma depois da morte
baseia-se neste princípio: - tudo o que vulgarmente chamamos juízo prévio, compensação,
felicidade suprema, condenação, pode ser explicado deste modo: - se tiveres
semeado o bem em ti mesmo e nos outros, fora de ti, pertencerás à sociedade
daqueles que, como tu, semearam o bem em si e fora de si; gozarás a estima
daqueles a quem te assemelhaste na maneira de fazer o bem.
Cada alma, separada do seu corpo, livre das prisões da
matéria, se apresente a si própria tal como é na realidade. (7)
Todas as ilusões, todas as seduções que a impediam de ver e
reconhecer suas forças, suas fraquezas ou suas faltas, desaparecerão nesse novo
estado. Assim, ela manifestará irresistível tendência a dirigir-se para as
almas que lhe estão em afinidade e a afastar-se das que lhe são dessemelhantes.
Seu peso intrínseco, como que obedecendo à lei da gravidade, atrai-la-á aos abismos
insondáveis (ao menos isso assim lhe parece), ou , segundo o seu grau e força, lançá-la-á,
qual chispas por sua ligeireza, aos ares e ela passará rapidamente às regiões
luminosas, fluídicas, etéreas.
A alma, por seu senso íntimo, conhece o seu próprio peso, e
é este, ou seu estado de progresso, que a impele para diante, para trás ou para
os lados, e seu caráter moral ou religioso é que lhe inspira certas tendências
particulares.
O bom Espírito elevar-se-á para os bons; será atraído para
eles em virtude de necessidade que sente do bem.
O perverso ou mal será forçosamente empurrado (8) para os
perversos ou maus. A descida precipitada das almas grosseiras, imorais e
irreligiosas para as que se lhes assemelham, será tão rápida e evitável como a
queda do junco num abismo onde nada o detém.
Basta por hoje.
Zurique, 1 de agosto de 1796.
João Gaspar Laváter
(Com a permissão de Deus, escrever-vos-ei sobre este
assunto, de oito em oito dias.).
(1) Os Espíritos nos ensinam que essa região, de onde viemos
e para a qual voltamos, é o mundo espiritual ou o Espaço. Ele é apenas
desconhecido para os seres encarnados. Quando o nosso corpo repousa, o nosso
Espírito vai librar-se nesse mundo, e, ao acordarmos, resta-nos daí quase
sempre uma vaga lembrança, que denominamos sonho.
(2) Essa diferença de estado existe também durante o sono, e
assim pode-se dizer que morremos todas as noites. Neste estado como no do
sonambulismo, o Espírito conserva-se preso ao corpo por um laço fluídico, mas
isso não impede o Espírito de transportar-se às regiões acessíveis ao seu grau
de adiantamento. A separação entre o Espírito e o corpo torna-se efetiva
somente depois da morte deste.
(3) Este corpo espiritual é o que foi designado em “O Livro
dos Espíritos” por perispírito, e
como tal conserva as aparências que a alma tinha na sua vida material. O
perispírito é conservado sempre com a alma e lhe serve de veículo em todas as
suas encarnações.
(4) Esse estado constitui a perturbação para a alma, porém é
provisório, pois, desde que a alma se depura ou progride, o perispírito se
rarefaz e deixa ver as coisas de um modo mais claro.
(5) Essa nova existência é a espiritual, de onde viemos e
para a qual voltamos. É aí mesmo que nos preparamos par nova encarnação, cujos
principais incidentes são sempre as consequências das vidas anteriores.
(6) Por ocasião da morte do corpo, o Espírito cai numa
perturbação, espécie de letargia, cuja duração é variável. Voltando a ter
consciência de si, o Espírito reconhece o seu passado, e, então, colhe o que semeou, em virtude da lei
das consequências, lei inflexível à qual ninguém pode subtrair-se. Lede a obra “O
Céu e o Inferno”
(7) O sonambulismo já ofereceu exemplos de percepções.
Depois da morte do corpo, o perispírito tornando-se o principal órgão de
transmissão, a percepção se opera em razão do seu grau de progresso. Os
Espíritos inferiores não podem portanto ver e julgar como aqueles que são
superiores. Lede a obra “O Céu e o Inferno”.
(8) Lei das afinidades. Esses Espíritos inferiores tem uma
ocupação útil nas agitações terrestres. Instrumentos voluntários do mal, eles
servem para suscitar entre nós as causas das lutas, de que sempre resultam
ensino e progresso.
Extraído do Livro LÉON DENIS – O PORQUÊ DA VIDA – pag. 58
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