O
Espiritismo conquistou seu lugar nas crenças; se é ainda, para alguns
escritores um assunto de zombaria, é de se notar que entre aqueles mesmos que
zombaram dele outrora, a zombaria baixou de tom diante do ascendente da opinião
das massas, e se limita a reportar, sem nele creem positivamente, e sem mesmo conhece-lo
a fundo, julgam a ideia bastante importante para nela haurir os assuntos de
seus trabalhos de imaginação ou da fantasia. Tal, é, isso nos parece, o caso da
obra de que falamos. É um simples romance baseado sobre a crença espírita,
apresentado do ponto de vista sério, mas ao qual podemos censurar alguns erros,
sem dúvida, provenientes de um estudo incompleto da matéria. O autor que quer
bordar uma ação de fantasia sobre um assunto histórico deve, antes de tudo,
compenetrar-se bem da verdade do fato, a fim de não estar ao lado da história.
Assim deverão fazer todos os escritores que quiserem aproveitar a ideia
espírita, seja para não serem acusado de ignorar do que falam, seja para
conquistar a simpatia dos adeptos, bastantes numerosos hoje para pesar na
balança da opinião, e concorrer ao sucesso de toda obra que toca, direta ou
indiretamente, às suas crenças.
Feita essa
reserva do ponto e vista da perfeita ortodoxia, a obra em questão não será por
isso menos lida com muito interesse pelos partidários como pelos adversários do
Espiritismo, e agradecemos ao autor pela graciosa homenagem que consentiu em
nos fazer com o seu livro, chamado a popularizar a ideia nova. Dele citaremos as
passagens seguintes, que tratam mais especialmente da Doutrina.
“A época em que
Sr. De Boursonne (um dos principais personagens do romance) perdera sua mulher,
uma doutrina mística se difundia surdamente, lentamente, e se propagava na
sombra. Ela contava ainda poucos apóstolos; mas não aspirava a nada menos do
que substituir aos diferentes cultos cristãos. Não lhe faltava ainda, para se
tornar uma religião poderosa, senão a perseguição.
“Essa
religião, é a do Espiritismo, tão eloquentemente exposta pelo Sr. Allan Kardec,
em sua notável obra O Livro dos Espíritos. Um de seus adeptos mais convencidos,
era o conde de Boursonne.
“Não acrescentarei
mais do que algumas palavras sobre essa doutrina, para fazer compreender aos
incrédulos que o poder misterioso do conde era inteiramente natural.
“Os
Espíritas reconhecem Deus e a imortalidade da alma. Creem que a Terra é para
eles um lugar de transição e de provas. Segundo eles, a alma é primeiro
colocada por Deus num planeta de uma ordem inferior. Ali ela fica encerrada num
corpo mais ou menos grosseiro, até o dia em que ela esteja bastante depurada
para emigrar para um mundo superior. É assim que, depois de longas migrações e
numerosas provas, as almas chegam enfim à perfeição, e são então admitidas no
seio de Deus. Depende, pois, do homem abreviar as suas peregrinações e chegar
mais prontamente junto ao Senhor, melhorando rapidamente.
“É uma
crença do Espiritismo, crença tocante, que as almas mais perfeitas pode
conversar com os Espíritos. Assim, segundo os Espíritas, podemos conversar com
os seres que amamos e que perdemos, se nossa alma for bastante aperfeiçoada
para ouvi-los e saber se fazer escutada por eles.
“São, pois,
almas melhoradas, os homens mais perfeitos entre nós, que podem servir de
intermediário entre o vulgo e os Espíritos; esses agentes, tanto zombados pelo
ceticismo, tanto admirados e invejados pelos crentes, chamam-se, em linguagem
espírita médiuns.
“isto
explicado, uma vez por todas, anotemos de passagem que a Doutrina Espírita
conta, nesta hora, seus adeptos por milhares, sobretudo nas grandeza cidades, e
que o conde de Boursonne era um dos médiuns mais poderosos.”
Isto é um
primeiro erro grave; se fosse preciso ser perfeito para comunicar-se com os
Espíritos, bem poucos gozariam desse privilégio. Os Espíritos se manifestam
àqueles mesmos que deixam mais a desejar, precisamente para conduzi-los, por
seus conselhos, a se melhorarem, segundo esta palavra do Cristo: ‘Não são
aqueles que passam vem que tem necessidade de remédios.” A mediunidade é uma
faculdade que se prende ao organismo mais ou menos desenvolvido segundo os
indivíduos, mas que pode ser dada ao mais indigno, como ao mais digno, com a
condição de sr punido o primeiro se dele não aproveita ou se dela abusa. A
superioridade moral de médium lhe assegura a simpatia dos bons Espíritos, e o
torna apto para receber instruções de uma ordem mais elevada; mas a facilidade
de comunicar-se com os seres do mundo invisível, seja diretamente, seja por intermediários,
é dada a cada um tendo em vista o seu adiantamento. Eis o que o autor teria
sabido se tivesse feito um estudo mais aprofundado da ciência espírita.
“A ciência
moderna provou que tudo se encadeia. Assim, na ordem material, entre o
infusório, o último dos animais, e o homem, que deles é a expressão mais
elevada, existe uma cadeia de criaturas, melhoradas sucessivamente, como o
provam com abundância as descobertas dos geólogos. Ora, os Espíritas se têm perguntado
por que a mesma harmonia não existiria no mundo espiritual; se têm perguntado
por que uma lacuna entre Deus e o homem, como o Se, Lê Verrier perguntou-se
como se fazia que uma planeta pudesse faltar em tal lugar do céu, em virtude
das leis harmoniosas que regem nosso mundo incompreensível e ainda
desconhecido.
“Foi guiado
por esse mesmo raciocínio que conduziu o eminente diretor do observatório de Paris
à sua maravilhosa dedução, de que os Espírita vieram para reconhecer os seres materiais
entre o homem e Deus, antes de disso ter a prova palpável que adquiriram mais
tarde.”
Há
igualmente ai um erro capital. O Espiritismo foi conduzido às suas teorias pela
observação dos fatos, e não por um sistema preconcebido. O raciocínio do qual
fala o autor é racional, sem dúvida, mas não foi assim que as coisas se
passaram. Os Espíritas concluíram a existência dos Espíritos, porque os
Espíritos se manifestaram espontaneamente; indicaram a lei que rege as
relações do mundo visível e do mundo invisível, porque observaram essas
relações; admitiram a hierarquia progressiva dos Espíritos, porque os Espíritos
se mostraram a eles em todos os graus de adiantamento; adotaram o princípio da
pluralidade das existências não só porque os Espíritos lhes ensinaram, mas
porque esse princípio resulta, como lei da Natureza, da observação dos fatos
que temos sob os olhos. Em resumo, o Espiritismo não admitiu nada a título de
hipótese preliminar; tudo na doutrina é um resultado da experiência. Eis tudo o
que temos muitas vezes repetido em nossas obras.
Allan Kardec
Revista
Espírita – Fev, 1964 ano sétimo.
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