Quando
Jesus disse ao moço que interrogava sobre os meios de atingir a vida
eterna:
“Desfaze-te de todos os bens, e segue-me”, não pretendia
estabelecer como princípio absoluto que cada um devia despojar-se do que
possui, e que a salvação só se consegue a esse preço, mas mostrar que o
apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele moço, com
efeito, julgava-se quite com a lei, porque havia observado certos
mandamentos, e no entanto recusava à idéia de abandonar os seus bens;
seu desejo de obter a vida eterna não ia até esse sacrifício.
A
proposição que Jesus lhe fazia era uma prova decisiva, para por às
claras o fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um padrão
de homem honesto, segundo o mundo, não prejudicar a ninguém, não
maldizer o próximo, não ser frívolo, nem orgulhoso, honrar ao pai e a
mãe. Mas não tinha a verdadeira caridade, pois a sua virtude não chegava
até à abnegação. Eis o que Jesus quis demonstrar. Era uma aplicação do
princípio: Fora da caridade não há salvação.
A
conseqüência daquelas palavras, tomadas na sua mais rigorosa acepção,
seria a abolição da fortuna, como prejudicial à felicidade futura e como
fonte de incontáveis males terrenos; e isso seria também a condenação
do trabalho, que a pode proporcionar. Conseqüência absurda, que
reconduziria o homem à vida selvagem, e que, por isso mesmo, estaria em
contradição com a lei do progresso, que é uma lei de Deus.
Se
a riqueza é a fonte de muitos males, se excita tantas más paixões, se
provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos ater-nos, mas o
homem que dela abusa, como abusa de todos os dons de Deus. Pelo abuso,
ele torna pernicioso o que poderia ser-lhe mais útil, o que é uma conseqüência
do estado de inferioridade do mundo terreno. Se a riqueza só tivesse de
produzir o mal, Deus não a teria posto na Terra. Cabe ao homem
transformá-la em fonte do bem. Se ela não é uma causa imediata do
progresso moral, é, sem contestação, um poderoso elemento do progresso
intelectual.
O
homem, com efeito, tem por missão trabalhar pela melhoria material do
globo. Deve desbravá-lo, saneá-lo, dispô-lo para um dia receber toda a
população que a sua extensão comporta. Para alimentar essa população,
que cresce sem cessar, deve aumentar a produção. Se a produção de uma
região for insuficiente, precisa ir buscá-la noutra. Por isso mesmo, as
relações de povo a povo tornam-se uma necessidade, e para facilitá-las é
forçoso destruir os obstáculos materiais que os separam, tornar mais
rápidas as comunicações. Para os trabalhos das gerações, que se realizam
através dos séculos, o homem teve de extrair materiais das próprias
entranhas da terra. Procurou na ciência os meios de executá-los mais
rápida e seguramente; mas, para fazê-lo, necessitava de recursos: a
própria necessidade o levou a produzir a riqueza, como o havia feito
descobrir a ciência.
A atividade exigida por esses trabalhos lhe aumenta
e desenvolve a inteligência. Essa inteligência, que ele a princípio
concentra na satisfação de suas necessidades materiais, o ajudará mais
tarde a compreender as grandes verdades morais. A riqueza, portanto,
sendo o primeiro meio de execução, sem ela não haveria grandes
trabalhos, nem atividade, nem estímulo, nem pesquisas: com razão, pois, é
considerada elemento de progresso.
O Evangelho Segundo o Espiritismo cap XVI
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