PASCAL
Genebra, 1860
O homem não possui como seu senão aquilo que pode levar deste mundo. O
que ele encontra ao chegar e o que deixa ao partir, goza durante sua
permanência na Terra; mas, desde que é forçado a deixá-los, é claro que
só tem o usufruto, e não a posse real. O que é, então, que ele possui?
Nada do que se destina ao uso do corpo, e tudo o que se refere ao uso da
alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Eis o que
ele traz e leva consigo, o que ninguém tem o poder de tirar-lhe, e o
que ainda mais lhe servirá no outro mundo do que neste. Desde depende
estar mais rico ao partir do que ao chegar neste mundo, porque a sua
posição futura depende do que ele houver adquirido no bem. Quando um
homem parte para um país longínquo, arruma a sua bagagem com objetos de
uso nesse país e não se carrega de coisas que lhe seriam inúteis. Fazei,
pois, o mesmo, em relação à vida futura, aprovisionando-vos de tudo o
que nela vos poderá servir.
Ao
viajante que chega a uma estalagem, se ele pode pagar, é dado um bom
alojamento; ao que pode menos, é dado um pior; e ao que nada tem, é
deixado ao relento. Assim acontece com o homem, quando chega ao mundo
dos Espíritos: sua posição depende de suas posses, com a diferença de
que não pode pagar em ouro. Não se lhe perguntará: Quanto tínheis na
Terra? Que posição ocupáveis? Éreis príncipe ou operário? Mas lhe será
perguntado: O que trazeis? Não será computado o valor de seus bens, nem
dos seus títulos, mas serão contadas as suas virtudes, e nesse cálculo o
operário talvez seja considerado mais rico do que o príncipe. Em vão
alegará o homem que, antes de partir, pagou em ouro a sua entrada no
céu, pois terá como resposta: as posições daqui não são compradas, mas
ganhas pela prática do bem; com o dinheiro podeis comprar terras, casas,
palácios; mas aqui só valem a qualidades do coração. Sois rico dessas
qualidades? Então, sejas bem-vindo, e teu é o primeiro lugar, onde todas
as venturas vos esperam. Sois pobre? Ide para o último, onde sereis tratado na razão de vossas posses.
*
M., Espírito Protetor
Bruxelas, 1861
Direis talvez que isso se compreende em relação à fortuna hereditária, mas não aquela que o homem adquiriu pelo seu trabalho. Não há dúvida que, se há uma fortuna legítima, é a que foi adquirida honestamente, porque uma propriedade só é legitimamente adquirida quando, para conquistá-la, não se prejudicou a ninguém. Pedir-se-á conta de um centavo mal adquirido, em prejuízo de alguém. Mas por que um homem conquistou por si mesmo a sua fortuna, terá alguma vantagem ao morrer? Não são freqüentemente inúteis os cuidados que ele toma para transmiti-la aos descendentes? Pois se Deus não quiser que estes a recebam, nada prevalecerá sobre a sua vontade. Poderá ele usar e abusar de sua fortuna, impunemente, durante a vida, sem ter de prestar contas? Não, pois ao lhe permitir adquiri-la, Deus pode ter querido recompensar, durante esta vida, os seus esforços, a sua coragem, a sua perseverança; mas se ele somente a empregou para a satisfação dos seus sentidos e do seu orgulho, se ela se tornou para ele uma causa de queda, melhor seria não a ter possuído. Nesse caso, ele perde de um lado o que ganhou de outro, anulando por si mesmo o mérito do seu trabalho, e quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que já recebeu a sua recompensa.
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