segunda-feira, 29 de agosto de 2016

QUANDO A DOR REDIME



“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mateus, 5:4.) 

As lágrimas extravasam emoções intensas. Choramos quando estamos muito felizes ou muito amargurados. Não obstante servirem à alegria e à tristeza, convencionou-se que elas representam os males da existência.

E na Terra, planeta de expiação e provas, segundo a definição de Kardec, choramos todos, desde o magnata ao miserável, desde o palácio à choupana.

Jesus promete que seremos todos consolados. Essa expressão soa quase vazia de significado. Afinal, é muito pouco, diante dos males maiores, receber algo parecido com a iniciativa do amigo que toca de leve em nossos ombros, afirmando: “Não é nada, meu velho! Coragem! Tudo passa!...”

Todavia, a expressão será bem mais significativa, de alcance bem maior, se lhe emprestarmos o significado de compensação. Poderíamos dizer, então, que bem-aventurados são os que sofrem, porque seus males serão compensados por alegrias futuras.

É da própria Vida que após a tempestade surja a bonança. Que a noite seja véspera do dia. Às horas de amargura sucedem-se períodos de tranquilidade. E ainda que a existência inteira seja uma noite escura de lutas e sofrimentos, experimentaremos a alvorada gloriosa da imortalidade, ao cessar a existência humana com suas limitações.

Oferecendo o ensejo de despertamento e resgate, as dores da existência representam o preço nunca demasiadamente alto que pagamos para o ingresso nas bem-aventuranças celestes. Seja a dor física, que depura, seja a dor moral, que amadurece, temos em suas manifestações o cuidado de um mestre inflexível que nos disciplina e orienta, preparando-nos para assumir a condição de filhos de Deus e herdeiros da Criação.
É preciso considerar, contudo, que não basta sofrer, por quanto, se as lágrimas nos preparam para o Reino dos Céus, que, segundo Jesus, é uma experiência íntima, uma construção interior, não podemos olvidar que o próprio Mestre situa a humildade por alicerce fundamental.

Pouco aproveitaremos de nossas dores sem a consciência de nossa pequenez diante de Deus, o Pai de sabedoria infinita, que conhece melhor do que nós mesmos nossas necessidades essenciais e nos oferece experiências que guardam relação não apenas com nosso merecimento, mas também com o preparo de uma gloriosa destinação.

Os que vivem a murmurar, que clamam ao Alto por seus males, que se revoltam, que não se conformam, que se rebelam, estão marcando passo. Suas dores não edificam nem depuram. Suas lágrimas são ácidas e amargas, gerando males não programados, amarguras desnecessárias, infelicidade voluntária.

Os desajustes maiores que afligem a criatura humana não são decorrentes dos débitos do passado, e sim da rebeldia do presente. Não sofremos tanto pelo resgate. Afinal, isto deveria ser motivo até de satisfação. A dor maior decorre do fato de pretendermos recusar o sofrimento. É a lamentável situação do devedor que marca dia para o credor vir receber seu dinheiro e quando isto acontece recusa-se terminantemente a pagar.

Seria de perguntar-se: Quando é que a nossa dor representa resgate do passado sem complicações para o futuro? Quando é que, por meio dela, estamos realmente preparando a felicidade futura?

Diríamos que é quando o nosso comportamento, diante da dor, não gera sofrimento naqueles que nos rodeiam.

Quantas famílias atravessam amarguras intensas com alguém doente em casa, não tanto pela enfermidade e, muito mais, pela inconformação e agressividade do enfermo?!

Quantos pais derramam lágrimas abundantes em face dos desatinos cometidos por seus filhos, que se mostram incapazes de suportar com dignidade os embates da existência?!

Quantos homens e mulheres amargam anos de convivência com cônjuges neurastênicos e agressivos porque a Vida não lhes atendeu as solicitações?!

Os que assim se comportam, espalhando sofrimento porque não sabem sofrer, estão castigados desde agora pela angústia, que é o clima sufocante em que se debatem interiormente, adiando para um futuro incerto a edificação de suas almas.

Mas, se formos tão humildes diante da dor, que jamais acrescentemos naqueles que nos amam sofrimentos outros além dos decorrentes da convivência com quem sofre, e o que é mais importante: se conseguirmos transformar nossas experiências com o sofrimento em exemplos dignificantes de confiança e serenidade, em plena aceitação da vontade de Deus, então nossos males trarão as marcas abençoadas da redenção, preparando-nos o ingresso glorioso no Reino dos Céus.

Em verdade, se tivermos tal disposição, estaremos nele desde agora, ainda que o sofrimento seja nosso companheiro inseparável.

Richard Simonetti

Livro A Voz do Monte.













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