O Evangelho Segundo o Espiritismo – Bem-aventurado os
Aflitos cap. V
Se há males, nesta vida, de que o homem é a própria causa,
há também outros que, pelo menos em aparência, são estranhos a sua vontade e
parece golpeá-lo por fatalidade. Assim, por exemplo, a perda de entes queridos
e dos que sustentam a família. Assim também os acidentes que nenhuma
previdência pode evitar, os revezes da fortuna, que frustram todas as medidas
de prudência, os flagelos naturais; e ainda as doenças de nascença, sobretudo
aquelas que tiram aos infelizes a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho:
as deformidades, a idiotia, a imbecilidade etc.
Os que nascem nessas condições, nada fizeram seguramente,
nesta vida, para merecer uma sorte triste, sem possibilidade de compensação, e
que eles não puderam evitar, sendo impotentes para modifica-las e ficando à
mercê da comiseração pública. Por que, pois, esses seres tão desgraçados,
enquanto ao seu lado, sob o mesmo teto e na mesma família, outros se apresentam
favorecidos em todos os sentidos?
Que dizer, por fim, das crianças que morrem em tenra idade e
só conheceram a vida o sofrimento?
Problemas, todos esses, que nenhuma
filosofia resolveu até agora, anomalias que nenhuma religião pode justificar, e
que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência d Deus, segundo a
hipótese da criação da alma ao mesmo tempo em que o corpo, e da fixação
irrevogável da sua sorte após a permanência de alguns instantes na Terra. Que fizeram
elas, essas almas que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas
misérias no mundo, e recebem, no futuro, uma recompensa ou uma punição
qualquer, se não puderam seguir nem o bem nem o mal?
Entretanto, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma
causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se
admita a existência de um Deus justo, essa causa dever ser justa. Ora, a causa
sendo sempre anterior ao efeito, e desde que não se encontra na vida atual, é
que pertence a uma existência precedente. Por outro lado, Deus não podendo
punir pelo bem que se fez, nem pelo mal que não se fez, se somos punidos, é que
fizemos o mal. E se não fizemos o mal nesta vida, é que o fizemos em outra. Esta
é uma alternativa a que não podemos escapar, e na qual a logica nos diz de que
lado está à justiça de Deus.
O homem não é, portanto, punido sempre, ou completamente
punido, na sua existência presente, mas jamais escapa às consequências de suas
faltas. A prosperidade do mal é momentânea, e se ele não expia hoje, expiará
amanhã, pois aquele que sofre está sendo submetido à expiação do seu próprio passado.
A desgraça que, à primeira vista, parece imerecida, tem, portanto a sua razão
de ser, e aquele que sofre pode sempre dizer: “Perdoai-me, Senhor porque eu
pequei”.
Os sofrimentos produzidos por causas anteriores são sempre,
como os decorrentes de causas atuais, uma consequência natural à própria falta
cometida. Quer dizer que, em virtude de uma rigorosa justiça distribuída, o
homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se ele foi duro e desumano,
poderá ser por sua vez, tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso,
poderá nascer numa condição humilhante, se foi avarento, egoísta, ou se empregou
mal a sua fortuna, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho,
poderá sofrer com os próprios filhos; e assim por diante.
É dessa maneira que se explicam, pela pluralidade das existências
e pelo destino na Terra, como mundo expiatório que é as anomalias da
distribuição da felicidade e da desgraça, entre os bons e os maus neste mundo. Essa
anomalia é apenas aparente, porque só encaramos o problema em relação à vida
presente; mas quando nos elevamos, pelo pensamento, de maneira a abranger uma
série de existências, compreendemos que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo
do que lhe cabe no mundo dos Espíritos, e que a justiça d Deus nunca falha.
O homem não deve esquecer-se jamais de que está num mundo
inferior, onde só é retido pelas suas imperfeições. A cada vicissitude, deve
lembrar que, se estivesse num mundo mais avançado, não teria de sofrê-la e, que
dele depende não voltar a este mundo, desde que trabalhe para se melhorar.
As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos
endurecidos, ou demasiados ignorantes para fazerem uma escolha consciente, mas
são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem
reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Assim é que, tendo feito mal a
sua tarefa, pede para recomeça-la, a fim de não perder as vantagens do seu
trabalho. Essas tribulações, portanto, são ao mesmo tempo expiações do passado,
que castigam, e provas para o futuro, que preparam. Rendamos graças a Deus que,
na sua bondade, concede aos homens a faculdade da reparação, e não o condena
irremediavelmente pela primeira falta.
Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento porque se
passa neste mundo seja necessário o indício de uma determinada falta: trata-se
frequentemente de simples provas escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua purificação
e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas a
prova nem sempre é uma expiação. Mas provas e expiações são sempre sinais de
uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa ser provado.
Um Espírito pode, portanto, ter conquistado certo grau de elevação, mas
querendo avançar mais, solicita uma missão, uma tarefa, pela qual será tanto
mais recompensado, se sair vitorioso, quanto mais penosa tiver sido a sua luta.
Esses são, mais especialmente, os casos das pessoas de tendência naturalmente
boas, de alma elevada, de sentimentos nobres inatos, que parecem nada trazer de
mal de sua precedente existência, e que
sofrem com resignação cristã as maiores dores, pedindo forças a Deus para
suportá-las sem reclamar. Podem-se, ao contrario, considerar como expiações as
aflições que provocam reclamações e levam o homem à revolta contra Deus.
O sofrimento que não provoca
murmurações pode ser, sem dúvida, uma expiação, mas indica que foi antes
escolhido voluntariamente do que imposto; é a prova d um afirme resolução, o
que constitui sinal de progresso.
Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade
enquanto não estão puros; toda mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes.
Assim acontece com os passageiros de um navio tomado pela peste, aos quais fica
impedida a entrada numa cidade, até que estejam purificados. É nas diversas
existências corpóreas que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas
imperfeições. As provas da vida fazem progredir, quando bem suportadas; como expiações,
apagam as faltas e purificam; são o remédio que limpa a ferida e cura o doente,
e quanto mais grave o mal, mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, portanto,
que muito sofre, deve dizer que tinha muito a expiar e alegrar-se de ser curado
logo. Dele depende, por meio da resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento
e não perder os seus resultados por causa de reclamações, sem o que teria de
recomeçar.
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