Bem-aventurados os misericordiosos; porque eles alcançarão misericórdia. (Mt, 5:7)
É DA LEI DIVINA que recebamos da Vida o que lhe oferecemos.
Bens e males praticados reverterão fatalmente em luzes ou
sombras em nosso caminho, flores ou espinhos em nossos dias. A cada um – ensina
Jesus – segundo suas obras.
Natural, portanto, que, se esperamos por misericórdia,
sejamos misericordiosos. Esse é o grande problema, portanto raros se compadecem
verdadeiramente das misérias humanas.
Se houvesse misericórdia no mundo, não teríamos tantos e
tantos correndo atrás de interesses imediatistas – conforto, riqueza, poderes,
prazer, com total despreocupação das angústias alheias. Aquele que se interessa
pelo próximo jamais pensará em si enquanto houver gente sofrendo...
Se houvesse misericórdia, não teríamos tanta sobra de
alimentos em abastadas mansões nem tanta falta deles em esquecidos casebres...
Se houvesse misericórdia, não existiriam famílias com ricos
armários abarrotados de roupas e outras que nem mesmo possuem armários ou
roupas para serem guardadas neles...
Se houvesse misericórdia, não haveria gente com a agenda
tomada por compromissos sociais e festas, enquanto muitos têm as horas
preenchidas por sofrimentos e dores, que os enfrentam terrivelmente solitários,
como se morassem num deserto...
Se houvesse misericórdia, não conheceríamos a palavra órfão
nem seriam erguidos orfanatos, porquanto para cada criança que perdesse seus
pais, outros pais achariam um filho...
Gerações futuras, eleitos que habitarão a Terra após o
expurgo final, admirar-se-ão profundamente do descaso, da indiferença do homem
atual pela sorte de seu irmão. E perguntarão: “Será que não sabiam? Não teriam
noção de que jamais haveria felicidade na Terra, enquanto a legítima
fraternidade não estabelecesse a comunhão e todos os filhos de Deus, a fim de
que bens e males, compartilhados espontaneamente, tornassem suaves todas às
dores e completas todas as alegrias, no caminho da redenção humana?”.
Há uma lição fundamental que ainda não foi devidamente
assimilada pela Humanidade. Somente possuímos o que damos.
Apenas o desprendimento de nós mesmos, em doações de
trabalho e interesse pelo próximo, acumula valores imperecíveis que rendem
felicidade sempre. Não há alegria legítima e duradoura senão aquela que se
reflete no sorriso colocado em lábios alheios. Se muita gente transita
acabrunhada e triste pela Terra é porque há escassez de misericórdia em seus
corações.
Todos temos algo a ver com a confusão do mundo. Numa casa de
muitos filhos, onde cada qual esteja vivendo segundo seus próprios interesses,
rezando pela cartilha do “cada um por si e o resto que se dane”, teremos, em pouco
tempo, um ambiente irrespirável, dominado por conflitos intermináveis, um
pequeno inferno para se morar.
Ampliemos essa casa até os limites da Terra e teremos um lar
habitado por bilhões de filhos de Deus que ainda não aprenderam a viver como
irmãos, fazendo dela a morada da angústia.
A ação individual gera o comportamento coletivo. A soma das
tendências dos cidadãos forma a personalidade dos povos. E porque não há
misericórdia entre os homens, vemos, no âmbito das nações, a prevalência dos
interesses econômicos sobre necessidades essenciais da criatura humana, o
domínio exercido por países desenvolvidos sobre nações pobres, as guerras
geradas pelas ambições desmedidas, o clima de intranquilidade, e exploração do
homem pelo homem.
Sabemos que é preciso mudar esse panorama desolador. Mas
como fazê-lo? Condenando o mal? Promovendo revoluções? Oferecendo novas ideias?
Nada disso adiantará muito.
Os que vivem anatematizando o Mal acabam envolvidos por
ele...
Os que promovem revoluções apoiam-se invariavelmente na
violência, desarrumando muito mais do que consertando...
Quanto às ideias, já as temos em demasia no mundo. Faltam
aqueles que se disponham a coloca-las em prática. Em verdade, não precisamos de
muitas ideias. Apenas uma, fundamental, como roteiro de nosso trabalho pela
construção de um mundo melhor, se faz necessariamente indispensável. Jesus, que
a retirou do Velho Testamento, diz que ela resume tudo: “O amor a Deus acima de
todas as coisas e ao próximo com a nós mesmos.”.
Urge que nos disponhamos a cumprir esse princípio redentor,
partindo do pressuposto de que, se não nos compadecermos do próximo, a Vida não
se compadecerá de nós.
Cultivando misericórdia, estaremos a caminho do amor,
transformando em missionários do Cristo, sempre que estivermos dispostos a
estender as mãos ao nosso irmão.
Quando o número de pessoas que procuram viver esse princípio
redentor superar os que estão preocupados apenas com a própria sorte, o Reino
de Deus começará a ser instalado no mundo.
A voz do Monte – Richard Simonett.
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