Dias depois de haver entoado, publicando-a, o seu canto de
cisne, o saudoso autor da presente obra, a 31 de março de 1903, desferiu o voo
para as regiões serenas da bem-aventurança, indo juntar-se à coorte dos
Espíritos luminosos, em cujas fileiras já tinham ingressado Bittencourt Sampaio,
Bezerra de Menezes e outros que com ele formaram o primitivo Grupo. “Ismael”,
então sob a sua direção, pujante e belo núcleo de valorosos apóstolos da
Revelação Nova.
Ao fazer, agora, outra edição das “Elucidações Evangélicas”,
em que a alma desse crente fervoroso, humilde e abnegado servo do Senhor,
deixou traços indeléveis da superioridade que a distinguia, justo é que a
Federação, num preito de reconhecimento e saudade, diga aos que a vão tomar
para base de suas meditações sobre o Evangelho e que abraçaram o Espiritismo
quando já aquele não mais pertencia ao rol dos “mortos” sepultados na carne,
quem foi esse cultivador da Seara Divina que, legando-lhes esta obra, os
brindou com uma jóa de súbito valor.
Efetivamente, é como a classificam estas palavras com que a
sagrou o Espírito Frei José dos Mártires, seu Guia:
“Ela tem em si o bastante para assegurar, aos que cuidam
seriamente das coisas divinas, a existência de um núcleo de corações homogêneos,
que procuram sinceramente orientar seus irmãos, apontando-lhes o meio de construírem
o edifício da fé, não sobre a areia movediça das paixões desencontradas, mas
sobre a rocha inamovível da verdadeira crença, que dilata os seios d’alma para
o bem e para a luz.
“Deixas na Terra um pouco da luz que recebeste do céu e os
homens do futuro, bebendo ensinamentos nos teus esforços e produzindo também
alguma cosia de útil aos seus irmãos, bendirão o teu nome.”
Pois bem: é bendizendo lhe o nome que os que, dois dele e
dos seus preclaros companheiros, assumiram a tarefa de dirigir neste plano, sob
a égide de seus Espíritos, caridosos os bons, a instituição que muitíssimo lhes
deve do que foi, do que é e do que será se sentem na obrigação gratíssima de
dar a conhecer, à atual geração de espíritas, com a obra que lhe foi por ele ofertada,
a personalidade daquele que a concebeu e executou.
Não será, porem, nenhum deles quem o fará, que nenhum o conseguiria,
como o fez por ocasião da sua ressurreição para a vida real, um dos seus fiéis
companheiros de apostolado, membro, como ele, do Grupo “Ismael”, em cuja
direção o sucedeu seu grande amigo também, alma afim com a seu coração tão
grande como o seu Pedro Richard, ora a ele reunido na falange dos veros
servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos verdadeiros dirigentes da
Federação.
Para que assim seja, reproduzimos aqui o que, sob o pseudônimo
de que usava o de “Discípulo de Max”, que invocava, assim, o pseudônimo de Bezerra
de Menezes, publicou Pedro Richard, no primeiro número do “Reformador”. (*)
Eis o que, numa efusão, legítima e sincera, de amor
fraternal e de admiração, esse outro componente do núcleo de corações
homogêneos a que se referiu Frei José dos Mártires, disse do Irmão exemplar
que, sempre ardoroso na fé, fora o porta-estandarte da pequenina milícia humana
do Anjo Ismael:
Mais um trabalhador da santa cultura de Nosso Senhor Jesus
Cristo cai na arena.
Tomba o corpo, mas surge o Espírito em toda plenitude da
vida, pujante e forte, e cheio da misericórdia que às mancheias derrama o nosso
Divino Mestre sobre todos os seus discípulos, que, à custa de lutas
encarniçadas contra os arrastamentos da matéria e preconceitos sociais, de sofrimentos
necessários e sempre merecidos, de fracos se fizeram fortes, de pequenos
fazem-se grandes.
A vida de um justo é sempre um exemplo a seguir-se.
É preciso que a família espirita conheça a vida dos seus
irmãos, que nesta peregrinação souberam cumprir o seu dever de verdadeiros
cristãos, a fim de que exemplos tão salutares possam ser aproveitados pelos
nossos Espíritos, que, assim estimulados, hão de procurar imitá-los.
Ontem era Bittencourt Sampaio, Bezerra de Menezes, Mais de
Lacerda, etc. Lembremo-nos das palavras; hoje é Sayão que, abandonando o casulo
grosseiro da matéria, surge dourada borboleta, a singrar o espaço infinito, em
busca da Grande Luz.
Agora, que desapareceu o homem e que, portanto, já não pode
ser atingido pelo orgulho e as vaidades podem falar abertamente dos seus
feitos, para que sirvam de lições lembremo-nos das palavras à família espírita.
Antônio Luiz Sayão pediu ao nosso Criador a maior e a mais perigosa
das provas que pode um Espírito pedir: a riqueza material, comprometendo-se,
porém, a adquiri-la à custa de muito trabalho e a fazer-se espírita, para
pregar a doutrina de Jesus, pelos exemplos lembremo-nos das palavras os de toda
ordem, notadamente pelo desprendimento dos bens terrestres, que lhe fossem proporcionados
pela riqueza adquirida. É, de fato, é a riqueza a prova mais perigosa e o
compromisso mais sério que pode um Espírito tomar, pelos embaraços cruéis que
lhe opõem os dois grandes inimigos da alma: o orgulho e a vaidade, além das
exigências a que todo instante nos obriga uma sociedade, como a nossa, sem
crença e sem moral!
Para se avaliar a grandeza da prova pedida por Sayão, basta
que nos lembremos das palavras de Jesus aos seus apóstolos, a propósito do
mancebo rico que consultou sobre o que necessitava fazer para salvar-se.
Disse o Divino Mestre aos seus discípulos, depois de aconselhar
o moço.
“Mais depressa passa um camelo pelo fundo de uma agulha, do
que se salva um rico.”
Bem se vê que esta luminosa sentença não pode comportar a
tradução servil que as letras lhe emprestam, é um tropo empregado por Jesus
para significar à Humanidade a dificuldade com que tem de lutar um Espírito,
que para esta existência trouxe a prova da riqueza, para se salvar. Notemos
bem: a dificuldade e nunca a impossibilidade.
Pois, meus irmãos, graças ao nosso Pai, soube Sayão
desempenhar-se brilhantemente do compromisso que tomou, e salvou-se, porque
perseverou até o fim, tendo em toda a sua vida uma única preocupação: servir ao
nosso Bom Senhor. E não é lícito pôr em dúvida a sua salvação, porque disso
Divino Pastor:
“Aquele que perseverar até ao fim, será salvo”.
Tracemos um bosquejo, se bem que imperfeito, da sua passagem
pela Terra.
Antônio Luiz Sayão encarnou em um centro muito pobre e só à
custa de muitos sacrifícios materiais conseguiu formar-se em Direito, na
Academia de São Paulo.
Quem desconhece o que é a vida de um estudante pobre, que
nem livros têm para estudar. E que é obrigado a comer e a pagar a moradia à sua
custa? E o que veste o que calça? Pobrezinho! Usa a roupa e o calçado, ora um
tanto apertados, ora mais largos, dos seus companheiros de república, que
generosos e bons, como sabe ser a mocidade acadêmica, têm-no em geral em alta
consideração. Nem uma vela para estudar à noite, em um vintém no bolso!
Enquanto os colegas se divertem nos teatros, bailes e serenatas, ele estuda a
luz do lampião da sala da república, ou pede ao sono reparador o descanso de
que necessita o seu corpo depauperado de forças nas lutas do dia.
Vencendo todas as dificuldades, formou-se em Direito e veio
para esta capital exercer a sua profissão e dela escolheu a parte mais
simpática e mais sã, qual seja a defesa dos criminosos, da tribuna do Júri, que
então era ilustrada pelos vultos eminentes de Busch Varela, Ferreira Viana e
outros luminares da jurisprudência, que naqueles tempos souberam fazer renome.
Sayão, enfrentando com tais competidores, jamais se deixou
ficar na retaguarda e fez se notável advogado.
Trabalhador incansável e extremamente econômico conseguiu fazer
fortuna, poupando e guardando as parcas economias que lhe sobravam das suas
restritas necessidades materiais.
Talento modesto, aliado ao desejo de bem servir ao Senhor,
jamais se deixou atingir pelo orgulho e a vaidade, ou pelas sugestões do fausto
e da orgia. Seu vestuário sempre foi sério. Simples e decente, sua alimentação sólida,
parca e sóbria.
Em 1878, mais ou menos, se fez espírita, teve então de travar luta titânica contra as suas tendências
católico-romanas, não compatíveis como os Evangelhos de Jesus, que acabava de
abraçar e, sobre tudo, contra os preconceitos sociais-religiosos, que naqueles
tempos pareciam insuperáveis.
Tomou para seu companheiro e mestre o seu colega Bittencourt
Sampaio, que aqui na Terra tão bem souber orienta-lo e, no espaço, depois que
para lá foi, melhor soube encaminha-lo com seus conselhos diários e ampará-lo
com a sua ascendência moral.
Feita a aliança espiritual entre os dois servos do Senhor,
tiveram que lutar heroicamente contra as traiçoeiras ciladas que lhes armavam a
todo o instante os Espíritos das trevas, com o intuito perverso de separa-los.
A luta foi encarniçada e tantos foram os estratagemas de que
usaram os inimigos do espaço para romper o laço que ligava esses dois Espíritos
aqui na Terra, que narrá-los é impossível. Mas de uma vez teve Sayão de pôr em
prova a sua humildade, para evitar que se quebrasse um só dos elos da cadeia
que o prendia ao seu mestre e amigo.
Seu lar, nos tempos ignominiosos da escravidão, era o céu
dos desgraçados que tinham pedido a prova de ser escravos.
Nele se acolhiam, para de escravizados ficarem livres, pois
eram tratados pelo “Senhor” como irmãos e amigos e se constituíram membros da
sua família. Que o digam o Moisés, os Celestinos e as Joanas, cujos filhos eram
por ele acalentados e muitas vezes nos seus próprios braços entregavam o Espírito
ao Criador.
Pela modéstia do seu viver e porque não se imiscuía nas
lutas egoísticas dos homens, a sociedade, que não o compreendia, o tratava de
usuário. Ele usuário! Ele que repartia prodigamente com os necessitados os seus
haveres!
Mas, porque seguia o preceito evangélico: “a mão direita não
deve ver o que dá a esquerda”, Sayão era um usuário.
Bem fizeste, amigo! Bem soubeste fazer!
A sua bolsa sempre
esteve aberta à verdadeira necessidade. Jamais irmão algum que lhe pediu pão,
ou lhe solicitou abrigo, passou fome ou se viu privado de teto. Bastava saber
onde estava a miséria, para que Sayão corresse pressuroso a ampará-la.
Os seus atos de caridade são inúmeros. Citá-los é
impossível; descrevê-los, ócios. Apenas me limitei a contar um; ei-lo:
Uma vez em que o médium Guimarães foi a um miserável quarto
de certa casa, numa das ruas desta Capital, levar a uma pobre enferma os
recursos mediúnicos que reclamava o seu estado de saúde, viu, ao entrar, que
alguém se ocultara atrás da porta; intrigado pela curiosidade, procurou ver
quem era e pode então lobrigar a cabeça do velho Sayão, que ali fora repartir
com a desgraçada a moeda material e levar-lhe ao mesmo tempo o confortp
espiritual que com tanta dedicação soube haurir nos Evangelhos.
A sua vida espírita foi cheia de episódios e lutas
impossíveis de se descreverem num modestíssimo escrito de jornal. Contudo,
esforçar-me-ei por contar alguns.
Sayão e Bittencourt Sampaio pertenceram à Sociedade “Deus,
Cristo e Caridade”até o dia em que uma divergência determinou a saída dos
mesmos que não se deixaram arrastar pelo orgulho da ciência. Foi então quando
resolveram fazer, no dia 6 de junho de 1880, uma reunião em sua casa, a fim de
concertarem a respeito do destino que deveriam tomar, e o resultado foi a
fundação do “Grupo dos Humildes”, regularmente conhecido por “Grupo Sayão” dirigido
espiritualmente pelo anjo Ismael e materialmente por ele Sayão.
O que se passou na primeira
fase desse Grupo está minunciosamente descrito no seu livro inicial,
intitulado “Trabalhos Espíritas”. Foi tempestuosa e por isso, muitas lágrimas
custou ao pobre do Sayão.
A segunda fase foi mais calma e deu-lhe ensejo a que
publicasse o seu segundo livro, que denominou “Estudos Evangélicos”, livro que tantos
e tão relevantes serviços tem prestado aos que entregam aos estudos da Doutrina
Espírita. Foi quando desencarnou o bom Bittencourt Samapio.
Desde essa data entrou o Grupo na sua terceira fase, que não
foi para Sayão tão tempestuosa quanto a primeira, mas que se caracterizou pela
luta que ele teve de sustentar com os Espíritos das trevas, quando o Grupo
sucessivas ente recebeu os livros “Jesus Perante a Cristandade” e “De Jesus
para as Crianças”, ditado pelo Espírito Bitterncourt e publicados por Sayão, e iniciou
o Calvário ao Apocalipse”.
Ele pressentiu o termo da sua jornada sobre a Terra poucos
dias antes da sua partida para as regiões espirituais.
Isto vos posso afirmar, leitor, pela sua seguinte previsão:
Tendo-se esgotado a edição dos “Estudos Evangélicos”, ele os
reeditou com o título “Elucidações Evangélicas”, e enriqueceu-o com muitas e
belíssima comunicações recebidas no Grupo, que vieram trazer aos diversos
pontos evangélicos, por ele estudados, muita luz e intenso clarão.
Esse livro saiu do prelo o mês passado, e, apresentando um
exemplar a um confrade, disse-lhe ele:
“Este é o último canto do cisne”.
E o foi, de fato. Dias depois, deixava o fardo pesado da
matéria e voava para verdadeira pátria, onde foi receber do nosso Divino Mestre
o prêmio de tanta luta e tantos sacrifícios sofridos sem revolta nem queixume.
Se a sua vida foi um exemplo perene, digno de ser por nós
outros imitado, a sua desencarnação não o é menos.
Durante a enfermidade que o acometeu, se acusava grandes
sofrimentos,. Não se queixava jamais; ao contrário, dizia sempre que se fizesse
a vontade de Deus! O seu desprendimento foi calmo e mesmo sem contrações.
Desencarnou como um justo, balbuciando uma Ave Maria.
Assim vivem e assim desencarnam os verdadeiros discípulos de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
DISCÍPULOS DE MAX
(*) ver, também, “Reformador” de 1953, pag. 53
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