O universo é regido por um princípio único.
Pietro Ubaldi (A Grande Síntese)
Definimos o
monismo, em seu aspecto filosófico mais abrangente, como o substrato
ideológico que apregoa a existência de uma substância única, subordinada
a princípios também unitários, na composição de tudo o que existe no
universo. Em seu significado mais simples, monismo é a doutrina da unidade, cuja palavra advém do grego monás que designava, na filosofia pitagórica, “toda complexidade que se faz um todo coeso”. Ela se opõe ao dualismo que admite a existência de duas entidades independentes na criação – espírito e matéria – e ao pluralismo,
o qual adota a diversidade de fundamentos e de substâncias para se
explicar o universo. O dualismo é classicamente defendido por René
Descartes e o pluralismo compõe o complexo pensamento científico moderno
que, pela análise reducionista, fragmentou a realidade objetiva nas
múltiplas e mais variadas expressões fenomênicas que, até o momento, se
pôde produzir, muitas destituídas do mínimo senso crítico, por se
fundamentar no vazio e no niilismo.
Assumindo-o como constructo norteador de
sua obra literária, o monismo não é uma criação de Pietro Ubaldi, pois
as ideias unicistas sempre ventilaram as concepções humanas e são
encontradas em todas as épocas do desenvolvimento de nossa história. A
milenar cultura chinesa do taoísmo já o apregoava em seus encantadores
versos. Nas doutrinas hindus, o Vedanta Sutra já o anunciava ao
ensinar que a essência bramânica, unitária, onisciente e perfeita, era a
substância formadora das almas individuais e do universo. Seguindo o
seu enunciado, a escola vaishnava, defendida por Ramanuja no século XII da era cristã, criou o termo visishtadvaita,
com o exato significado de monismo, tal como o entendemos hoje.
Curiosamente essa escola defendia que os elementos criados passaram a
abrigar a imperfeição, causa da ignorância, sem explicar os motivos de
tal contaminação da substância bramânica, mas que eles poderiam, através
da devoção, refazer a comunhão perfeita com Brahma, sem perder a
individualidade, preceito muito semelhante ao difundido pelo
cristianismo.
Na filosofia grega, tanto a
pré-socrática quanto a pós-clássica, o monismo já era uma aspiração dos
principais pensadores, que buscavam compreender a diversidade de todas
as coisas a partir de uma única causa primária. Interpretada às vezes
como physis, a natureza formadora, ápeíron, a substância ilimitada, ou simplesmente o arqué, o princípio originário, todos procuravam representar o que seria essa substância fundamental, compondo o que os estudiosos da filosofia denominaram monismo corporalista.
Recordemos que, para Tales, o arqué seria a água; para Heráclito, o fogo. Anaxímenes, contudo, o julgou ser o ar. Mas, prenunciando o pluralismo, Empédocles estabeleceu que a igualdade dos princípios (isonomia) teria se dividido em quatro raízes, o ar, o fogo, a água e a terra, de cujas misturas se formava a multiplicidade do universo, embalada pelas forças do amor (philia) e da rivalidade (neikos).
A doutrina eleática, fundada por Xenófanes e defendida, sobretudo, por
Parmênides, apregoava a unidade e a imobilidade como fonte do ser e do
universo. Para Anaxágoras, fervoroso seguidor da doutrina eleática, uma
substância incorpórea, denominada noûs, eterna e imutável, embora
submetida à aparência dos movimentos de nascimento e morte, teria
gerado tudo o que existe. E Demócrito, finalmente, firmou o monismo atomista como
base da realidade, concebendo o estofo do universo formado por unidades
simples, corpóreas, indivisíveis e descontínuas, os átomos.
Infinitamente espalhados em meio a um espaço contínuo e vazio, estariam
subjugados a determinismos puramente mecanicistas, antecipando, no
século V a.C., o ateísmo moderno.
A Idade Média não conheceu outra forma de monismo a não ser a Trindade Santa,
concebida por Santo Agostinho, através da qual o Uno se consubstanciava
no Todo e a ela nos referiremos a seguir. No Renascimento, o mais
expressivo pensamento monista que se conhece foi veementemente defendido
por Giordano Bruno e na Era Moderna, sobretudo pelos filósofos Spinoza,
Berkeley, Hume e Hegel. Destarte, o mais influente monista conhecido
até os nossos dias, tendo em vista que Ubaldi ainda é ignorado, é
considerado Baruch Spinoza, que viveu no século XVII, embora em sua
época não se empregasse tal acepção. O termo monismo foi usado
pela primeira vez no século XVIII pelo filósofo Christian Wolff.
Entretanto, aqueles que, de fato, o popularizaram foram o biólogo Ernst
Haeckel e o químico Wilhelm Ostwald no início do século XX.
Segundo a natureza da substância
apregoada como fundamental, o monismo pode ser diferenciado em diversos
modelos, como o ontológico, o panteísta, o metafísico, o religioso, o
material, o lógico, o gnosiológico e alguns outros de interesse menor
para o nosso estudo. Tipos que se podem considerar incluídos em suas
duas grandes e principais vertentes, em nítida oposição: o monismo materialista e o monismo idealista.
O primeiro se fundamenta no fato de que toda a existência se reduz à
matéria e seus atributos. Os seres vivos, por exemplo, se explicariam
unicamente pelo funcionamento dos fenômenos físico-químicos existentes
na unidade orgânica e a própria consciência humana nada mais seria do
que o produto das ações e interações bioquímicas da massa neuronal
(ideia também chamada epifenomenismo). Os grandes representantes do
monismo materialista, normalmente ventilado por sentimentos
anti-religiosos, foram Thomas Hobbes, Diderot, Paul Henri Dietrich,
Pierre Maupertuis, Julien Offroy de la Mettrie, Karl Marx, Engels, Lênin
e outros.
No início do século XX, o filósofo e
biólogo alemão Ernst Haeckel, utilizando o pensamento evolucionista de
Charles Darwin, tentou explicar a vida, o universo e a própria
consciência, segundo um monismo genético e mecanicista. Ele foi o
primeiro pensador moderno a intentar, com a ajuda do evolucionismo
nascente, a unificação da Biologia com a religião. Ainda que seu
pensamento monista não tenha abrangido a essência divina, seu
brilhantismo se revelou na descoberta da existência de um princípio
unificador regendo a evolução, chamado lei biogenética, segundo o
qual cada animal percorre, a partir da fase embrionária, todas as
etapas evolutivas que o levaram a ocupar o seu lugar na ordem natural.
Em suas próprias palavras, “a ontogenia recapitula a filogenia”, sendo a
ontogenia o desenvolvimento embrionário individual e a filogenia a
história evolutiva da sua espécie, princípio que foi prontamente
absorvido pelo pensamento espiritualista moderno. Somando-se a lei
biogenética de Haeckel à palingenesia, foi possível unificar a evolução
biológica com o espiritualismo, adotando-se o princípio espiritual como a
unidade da vida, proporcionando-se maior coerência aos processos vitais
e conferindo telefinalismo às mutações genéticas, antes consideradas
fenômenos completamente casuais.
A ciência do século XX, concebendo em
sua época que tudo se reduz à matéria e não admitindo para ela uma
origem transcendente a si mesma, compôs o seu mais importante subsídio
filosófico, o monismo materialista. Monismo que logo sucumbiu
ante a irrealidade das bases constituintes da própria matéria, sob o
domínio do pensamento quântico que tudo desfez em pacotes de ondas que,
afinal, em nada se sustentam.
Prenunciando o monismo quântico, Wilhelm Ostwald,
químico e filósofo germânico do início do século XX, apregoou a
doutrina segundo a qual a única e última realidade da existência era a
energia. E recentemente, unindo a Física relativista à Mecânica
quântica, a moderna teoria das cordas, como vimos, vem tentando resgatar
um substrato único para as partículas atômicas de massa e para as
energias que as mobilizam, identificando-o nos laços mínimos, as agitadas unidades feitas de insólitos pulsos vibráteis e nada mais. Esforço que integra a busca pela grande teoria unificada (Gut,
em inglês) segundo a qual a ciência de nossos dias se empenha na
afanosa procura por um monismo substancial que satisfaça o natural
anseio humano por unicidade, aspiração que sempre moveu todos os grandes
pensadores de todas as épocas, demonstrando-nos que a unidade é um
modelo divino que impera em toda a criação.
Já o monismo idealista se
fundamenta em princípios formativos de natureza imaterial e espiritual,
para explicar a composição de tudo o que existe. Seu mais ardoroso
representante na Antiguidade pode ser considerado Plotino, o sucessor do
idealismo platônico. Filósofo egípcio que viveu entre 205 e 270 d.C.,
desenvolveu a escola denominada neoplatonismo que defendia ser a
realidade última do universo a inteligência pura, incognoscível,
infinita e perfeita, da qual tudo derivava. Plotino se utilizou do mesmo
termo apregoado por Anaxágoras, noûs, como a essência universal
consubstanciada no Uno para compor o seu monismo idealista. Ele foi mais
tarde, no período medieval, seguido por Jâmblico, Proclo, Santo
Agostinho e Marsilio Ficino.
No pensamento eminentemente teológico da Era Medieval predominou um monismo idealista ternário, fundamentado na Santíssima Trindade.
A despeito de não se encontrar uma referência exata no texto bíblico,
acredita-se que ele tenha sido inferido pelas palavras de Cristo por
ocasião de seu batismo e em sua reaparição depois da morte, quando Ele
recomenda aos apóstolos: “Ide, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus
28:19). Estabelecido como um mistério da fé, esse monismo ternário foi
instituído pelo I Concílio de Nicéia no ano 325 da era cristã, contudo,
foi Santo Agostinho, em sua obra De Trinitate (Da Trindade)
escrita no ano 400 que o fundamentou como um dos principais dogmas da
Santa Sé. O Santo de Hipona, detendo-se largamente na compreensão do
principal mistério da fé cristã, definiu a unidade mística da Trindade
como uma consubstanciação, palavra que designa a união de dois ou
mais corpos em uma mesma substância, fazendo das três uma só pessoa.
Embora o dogma permaneça incompreendido pela maioria dos fiéis até os
dias de hoje, com o pensamento agostiniano ele se caracterizou como um
verdadeiro monismo, ainda que abstrato e indiferenciado, porquanto a
Trindade se unificava em Deus, o Pai, impedindo-se a distinção de três
deuses independentes. Mesmo se expressando em três pessoas, Deus era
considerado a fonte da Trindade, conservando-se como uma transcendência
unitária, indivisa, incriada e origem de todas as coisas. Todavia, a
interpretação monista que inicialmente ventilou a filosofia cristã
terminou por se fixar, de fato, não no monismo propriamente dito, mas
sim no monoteísmo, uma vez que se passou a considerar um Deus
antropomórfico de aspecto apenas transcendente, recôndito no céu,
distanciado da criação e de seus seres.
No Renascimento, contrariando o
monoteísmo que se estabeleceu como dogma, Giordano Bruno recrudesceu o
monismo idealista e religioso, defendendo a existência de um Deus
infinito que, além de ser o Senhor do universo, se fundia também com a
Sua própria criação, tornando divina toda a natureza. Estando muito além
da acanhada teologia de seu tempo, ele não pôde ser compreendido e,
acusado de panteísta, grave heresia em sua época, acabou sendo condenado
à morte na fogueira no ano de 1600, como já vimos.
Logo depois nos encontramos com o
holandês Baruch de Spinoza, defensor de um monismo idealista segundo o
qual espírito e corpo seriam atributos de uma mesma substância de
natureza divina, sendo Deus e a criação uma só e mesma coisa. Nesta
mesma época, século XVII, Leibniz apresentava o seu monismo com base na
monadologia, seguido por Berkeley e Rudolf Hermann Lotze. A enteléquia
de Leibniz definiu a unidade monádica como o componente básico e
divino de toda e qualquer realidade física ou anímica, caracterizada por
inteligência, imaterialidade, indivisibilidade e eternidade,
aproximando-se do monismo substancial de Ubaldi.
No século XVIII, George Berkeley, o
famoso filósofo irlandês, formulou sua doutrina considerada também
monista idealista, baseando-se na percepção mental como única realidade
que a tudo permite existir.
Como vemos, muitas são as acepções que
se podem imputar ao monismo que, embora sendo a doutrina da unidade, não
se eximiu de se diversificar na pulverização do fragmentário pensamento
humano que ainda não conhece o caminho para a síntese. A despeito do
valor de todas elas, nos ateremos, em nosso estudo, ao monismo
ubaldiano, por se tratar do nosso objetivo, abstendo-nos de um estudo
comparativo e pormenorizado de todas as demais vertentes
interpretativas. Assim sendo, consideraremos doravante toda referência
ao monismo como sendo genuinamente aquele que integra o pensamento de
Ubaldi, eximindo-nos de indicar-lhe a origem.
Na atualidade, nenhuma das doutrinas
monistas sobrevive fora dos ambientes acadêmicos da filosofia, uma vez
que a dicotomia cartesiana, que passou a imperar nas concepções humanas,
tornou-se vigorosa o bastante para se impor como a única estampa da
realidade. Tendo como base o monoteísmo e a multiplicidade fenomênica,
ela nos desenhou uma visão mecanicista e atomista de mundo, a qual ainda
domina a mentalidade do homem comum de nossos dias.
Extrapolando o âmbito da ciência onde se
estabeleceu e ignorando as brisas ideológicas que periodicamente
saneiam a estagnação humana, a dicotomia cartesiana terminou por
contaminar todo o pensamento religioso ocidental de modo geral. As
grandes religiões cristãs, amofinadas em seus templos de pedras,
persistem compartilhando conceitos monistas e monoteístas com um
dualismo reducionista e limitado, deixando a alma humana subjugada por
um insolúvel dilema conceitual, não vivenciado somente por aqueles que
ainda não o podem perceber, incapazes de alcançar o seu significado mais
profundo. Deus e o espírito separaram-se definitivamente da matéria,
pondo-se, de um lado, os assuntos de interesse religioso e de outro, as
interpretações científicas, como duas realidades irreconciliáveis.
O espiritismo, embora imbuído de uma
genuína ânsia de síntese filosófica e religiosa, nasceu, como o exigia a
época em que veio aos homens, ventilado por essa concepção dualista
distanciada do unicismo que seguramente deve imperar na criação. Embora
ele tenha estabelecido o espírito puro como o único produto resgatável
da criação progressiva, o seu universo está dicotomizado entre uma
essência espiritual (Deus e espírito) e outra física (a matéria).
Todavia, o monismo substancial está nele parcialmente presente na figura
do fluido cósmico universal, a substância unificadora, hausto
divino, fonte originária dos objetos fenomênicos, exceto do espírito,
embora este também provenha de Deus. Felizmente, como podemos ver
através do pensamento de Emmanuel, o dualismo espírita também está se
encaminhando para a realidade monista da criação, embora muitos
estudiosos espíritas ainda não tenham ressaltado o fato,
menosprezando-lhe a importância.
Fixado em dogmatismos e repousando entre
um monoteísmo teológico, restrito aos círculos de uma fé irracional, e o
pluralismo científico, adotado como realidade no domínio da Física
clássica, onde Deus não deve se meter, o homem atual não se deu conta,
ainda, de que nenhum desses dois modelos espelham os fundamentos da obra
divina. Se a própria ciência já afirmou que o universo, em sua
intimidade infinitesimal, é uma teia fluídica urdida em uma
inquestionável interdependência, o seu estofo constitucional é, em
última análise, um monismo interativo.
Em meio ao caos conceitual de nossos
dias, Ubaldi comparece a fim de resgatar devidamente o verdadeiro
monismo, em seu sentido metafísico, como uma linha mestra da compreensão
de Deus e do universo. Afirmando a unidade indissolúvel da criação, sua
criteriosa filosofia reconcilia perfeitamente a fé com a ciência e
recompõe o dualismo cartesiano, ainda vigente, em uma definitiva fusão
sintética que vencerá os tempos e se fundamentará como o mais exato
retrato da realidade. Por isso, acreditamos, o grande missionário de
Cristo será lembrado pela história humana como o maior representante do
pensamento monista de todos os tempos.
O monismo de Ubaldi, essencialmente idealista, transcendental e divino, se baseia na existência de um substrato primário, que ele denomina substância,
como fonte de tudo o que existe. Algo que não pode ser compreendido
como uma base física, a substância é o fluxo do pensamento de Deus que
se individua em toda manifestação fenomênica conhecida, sendo, portanto,
uma potência criativa inefável e incriada, originariamente atemporal e
hiperdimensional. Representada por ômega (w) na grande equação da substância, descrita brilhantemente em A Grande Síntese, podemos identificar a substância de Ubaldi como o mesmo noûs
que sustentava as concepções de Anaxágoras e Plotino.
Ela é a base para a formação ao mesmo tempo do espírito, da energia e da matéria, conduzindo-nos ao mais completo entendimento do monismo universal de que se tem notícia até o momento, conceito que melhor abordaremos posteriormente.
Ela é a base para a formação ao mesmo tempo do espírito, da energia e da matéria, conduzindo-nos ao mais completo entendimento do monismo universal de que se tem notícia até o momento, conceito que melhor abordaremos posteriormente.
A unidade da criação, a substância,
segundo o pensamento de Ubaldi, é capaz de se manifestar em um aspecto
ternário e dual ao mesmo tempo, como expressões genuínas de sua divina
potencialidade. Fato que a torna suscetível de se converter em todo eu
fenomênico conhecido, seja ideológico, dinâmico ou estático.
Essa extraordinária concepção se, a princípio, pode nos parecer
incompreensível, permeia toda a dialética ubaldiana, estabelecida como o
fundamento do pensamento divino e da criação.
E interessante diferenciarmos logo o monismo ubaldiano do panteísmo,
defendendo-o das incorretas injunções que muitos estudiosos lhe
imputaram, compreensíveis, ante as dificuldades de nosso concebível
atual em lhe alcançar toda a maravilhosa extensão conceitual. Fato que,
como vimos, se repete frequentemente na história humana, sempre pronta a
condenar o que não pode ser prontamente compreendido.
O panteísmo é a doutrina que
compreende Deus nada mais do que a somatória de tudo o que existe.
Segundo essa escola filosófica, há uma aproximação de identidade
completa entre Deus e a criação, entendidos como integrados em uma só e
indissolúvel realidade. Assim, Deus é coincidente com a sua obra e nada
pode existir que não seja a própria substância e manifestação da
Divindade, até mesmo a condição humana. Tudo sendo Deus, toda
individualidade somente existe como gotas em um oceano, e o oceano, por
sua vez, nada mais é do que o conjunto de todas elas. Esta doutrina foi
severamente combatida nos meios religiosos ocidentais, compreendida como
uma negação da existência de um Deus independente e transcendente à Sua
obra. Hoje compreendemos que a teologia cristã nos ensinou a divisar,
ainda que situado nos rincões do infinito, somente a transcendência
divina, como se fosse a Sua única realidade, visão que se define como monoteísta.
Já o panteísmo é uma tentativa de se compreender Deus como uma
imanência presente em toda criação, uma vez que o Senhor não poderia
criar fora de Seu próprio campo de manifestação e sem que retirasse de
Sua própria substância unitária, aspecto que também não pode ser negado.
Dessa forma o monoteísmo viu Deus em Sua
transcendência, a unidade divina que está além da criação, enquanto que
o panteísmo O vislumbrou em Seu aspecto imanente, inserido em tudo o
que existe. Já o monismo é a exata soma das duas visões, a
transcendência e a imanência divina, unificando as duas verdades em uma
única realidade. E assim o monismo reúne o Deus superior, que comanda à
distância a Sua criação, com o Deus interior, que é força e lei imanente
e permanente em cada eu fenomênico em realização no mundo das formas.
No início do século XIX, o pensador
alemão Christian Krause intentou também a união entre as doutrinas
monoteísta e panteísta, criando o termo panenteísmo, também chamado de panteísmo acosmístico,
calcado na mesma suposição monista de que todo o universo está contido
na intimidade de uma única e divina substância primordial,
aproximando-se do pensamento de Ubaldi.
Um modo facilitado de se compreender a
relação entre o monoteísmo e o panteísmo é considerarmos a nossa
vivência como fenômeno humano. Somos um organismo consciente formado por
100 trilhões de células que vivem no nosso campo de expressão interna e
formam conosco uma unidade. Porém, não somos a exata soma de todas as
nossas individualidades celulares, pois temos uma consciência à parte e
superior ao conjunto, embora estejamos incorporados igualmente em cada
uma delas em particular. Somos, portanto, uma entidade panteísta e
monoteísta concomitantes em nossa relação corpórea, configurando-nos, na
verdade, como um ente monista-unitário e indiviso.
Assim, o Deus panteísta é o infinito
oceano de gotas de que se compõe a criação e o Deus monoteísta é a
máxima individuação que transcende a todas elas. Ambos os aspectos se
somam em uma unidade, na verdade, indissolúvel e que apenas
conceitualmente se pode separar, compondo o verdadeiro monismo – a
unidade divina, o Todo orgânico que tudo contém e, ao mesmo tempo, é
mais do que o seu conjunto.
Dessa forma compreenderemos que, como nos afirmou Sua Voz (assim
Pietro Ubaldi denominou a fonte inspiradora de seus ensinamentos, como
veremos logo a seguir), se na história do pensamento religioso, a visão
deífica progrediu do politeísmo para o monoteísmo no passado, deve agora
evoluir do monoteísmo para o monismo, a fim de nos fazer avançar no
indispensável e mais real entendimento da natureza de nosso Pai
celestial. Lembrando que estamos considerando aqui o amplo monismo
idealista e espiritual de Pietro Ubaldi, por julgá-lo o mais habilitado,
na atualidade, para nos conduzir nessa escalada do conhecimento, uma
vez que ele é o único capaz de absorver todas as outras doutrinas
unicistas que citamos.
O monismo se apoia assim no princípio de unidade,
como o fundamento que sustenta todo o edifício conceitual da criação, o
alicerce de toda a fenomenologia universal. Por isso monismo nos diz
que tudo no universo se constrói segundo um modelo único, oriundo de um
único pensamento diretor que proporciona a tudo funcionamento e
estrutura semelhantes. Observa-se, assim, um só princípio que se
desdobra do geral ao particular, copiando-se sempre a si mesmo. Em
decorrência disso, o universo se comporta como um grande e unitário organismo, um Todo coerente, funcionando suas partes de modo integrado em função de uma unidade maior.
Justifica-se, dessa forma, o fato de que
as leis que regem esse Todo se comportem de forma idêntica em
absolutamente todos os lugares em que expressa a existência, uma vez que
elas são filhas de uma mesma Inteligência diretora. Se assim não fosse,
não podendo se tocar fisicamente pelas imensas distâncias que os
separam, os fenômenos não poderiam funcionar de forma tão semelhante.
Por exemplo, por que a lei da gravidade atua exatamente da mesma maneira
em regiões que jamais se conheceram? A unitária coerência das leis
físicas é a máxima e inconteste prova de que a criação flui de uma única
vontade que uniformiza todas as suas expressões fenomênicas, refletindo
o Todo de onde provêm. “A unidade é a mais evidente expressão do
monismo do universo e da presença universal da Divindade” – nos afirma
Ubaldi em A Grande Síntese.
O princípio monista gera a repetição do tipo único,
fazendo com que a criação reproduza, em todas as suas escalas, os
mesmos fundamentos gerais do Todo. Por isso a obra divina, embora se
divida do geral ao particular, irá refletir, nas partes, o mesmo
comportamento da Unidade. A geometria monista faz-se assim holística em
seus fundamentos, uma vez que as suas frações são iguais à totalidade.
Esquema este que identificamos nas formulações denominadas fractais, que se desenham como formas geométricas divididas em partes sucessivamente menores, as quais copiam, do infinito positivo ao negativo, a exata configuração do diagrama maior.
Esquema este que identificamos nas formulações denominadas fractais, que se desenham como formas geométricas divididas em partes sucessivamente menores, as quais copiam, do infinito positivo ao negativo, a exata configuração do diagrama maior.
A dinâmica em fractal, segundo a
qual é tecida a criação, representa exatamente o mesmo conceito
apregoado pela doutrina holística atual, que se encontra refletido
também no esquema holográfico, no qual cada porção repete exatamente a
figura do conjunto. Princípio secular que se pode identificar nas
culturas do passado, pois os grandes sábios de todos os tempos souberam
enxergá-lo, com evidência, na expressão fenomênica do universo. Uma
lenda védica nos diz que, no paraíso de Indra, há um colar de pérolas
dispostas de tal maneira que, ao se olhar para uma delas, se vê
refletido todo o colar. Anaxágoras no séc. V a.C. já afirmava que “tudo
está em tudo” e que “em cada coisa há parte de todas as coisas”,
conceito repetido por Heráclito no séc IV a.C., que, com poesia, nos
revelava a mesma dinâmica holística do funcionamento universal, ao
afirmar: “De todas as coisas um e do um, todas as coisas”. Parmênides,
ao declarar que o cosmo era uma esfera única e imóvel, e Pitágoras, ao
dizer que todas as coisas são números, vislumbravam igualmente a coesão
unitária da criação. Os filósofos monistas, como Spinoza, ao supor o
todo como a única realidade e Leibniz, declarando a unidade monádica da
criação, estavam no encalço do princípio unitário. E, da mesma forma, os
físicos modernos, empenhados na busca da grande teoria unificada,
sem que o saibam, estão atendendo ao mais lídimo anseio da alma humana:
a compreensão da lei de unidade que rege o universo e nos aproxima do
Criador.
Esse princípio, contudo, foi melhor
evidenciado por Jesus ao afirmar “Eu e o Pai somos um” e ao explicar que
veio ao mundo “para que todos sejam um; assim como tu, ó Pai, és em
mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós” (João 10:30 e 17:21
respectivamente ), suscitando-nos a entrega da vontade a Deus a fim de constituirmos com Ele e o universo uma verdadeira unicidade.
Pelo fato de podermos reduzir tudo a um
tipo único, torna-se possível assim compreender toda a estrutura da
criação, pois se conhecermos os princípios que regem um determinado
fenômeno, basta extrapolá-los para as maiores ou menores unidades que
lhe seguem, uma vez que todos lhes serão análogos. Assim o Todo sempre
copia a si mesmo, o microcosmo repete o macrocosmo e nas menores
particularidades fenomênicas se acham sempre presentes os mesmos
fundamentos gerais que regem a criação. Um idêntico pensamento gera
galáxias, guia mundos, constrói átomos e também forma seres fecundados
de vida, sentimentos e vontade. Isso nos leva a reafirmar, como
aprendemos em A Grande Síntese, que uma mesma potência se faz coesão no átomo, atração no mineral, luta no animal, simpatia no homem e amor na angelitude.
Além disso, observa-se na criação que o
impulso de unificação se equilibra com uma igual força de partição, que
tudo divide em menores componentes, fazendo o geral fragmentar-se no
particular e especializar-se em funções específicas. Fato necessário
para que o Todo se converta em organismo, onde quer que se expresse a
fenomenologia universal. Todavia, podemos observar também que, embora a
realidade unitária se separe em partes constituintes, estas logo tornam a
se juntarem no afã de reconstituir a unidade. E, assim, a rica
complexidade fenomênica da criação nada mais é do que a pulverização de
uma mesma unidade que busca reunir-se novamente, fundindo suas partes em
um indissolúvel conjunto. Tal impulso é facilmente observável em nós
mesmos, pois somos feitos de um inestancável anseio por unificações que
somente a herança dos atávicos impulsos divinos pode explicar.
Unidades de princípios e finalidades, de
ações e meios, de dinamismos e trajetórias fazem assim do universo um
grande e unitário organismo. Por isso, isolar-se é morrer em nosso cosmo
e todo “filho” está imbuído do permanente ensejo de reencontrar-se com o
seu “Pai”.
O princípio monista imprime a tudo uma
razão de ser e um funcionamento lógico, tornando o universo um todo por
excelência, orgânico e ordenado. Na infinita variedade das formas, ele
se expressa sempre igual, ressurgindo com mecanismos semelhantes e
objetivos comuns, embora em níveis e particularidades, às vezes,
aparentemente diferenciados. Logo, esse é o fundamento que confere ordem
e harmonia ao cosmo, sem o qual tudo se esfacelaria em um completo
caos.
A própria lei que rege a criação se
comporta como uma unidade orgânica, pois seus princípios se desdobram
sempre dos maiores para os menores, gerando uma coerência de
funcionamento que se harmoniza em torno de objetivos comuns e faz
convergir causa e efeito, tornando ilusórias as suas divisões, uma vez
que, fundidos na unidade, nada tem existência isolada. Por isso, Deus
está ao mesmo tempo no centro e na periferia da criação, por mais
distante que se possa concebê-Lo, não havendo para o pensamento diretor
do universo lugar onde não se ache presente com a mesma potência de Seu
cerne de origem. “Todas as coisas estão cheia de deuses”, nos afirmou a
visão intuitiva de Tales de Mileto, ainda no século VI a.C., que
enxergou em tudo a manifestação da mente divina.
O fundamento monista nos diz ainda que o
edifício divino tem, não somente uma única origem e funcionamento, mas
se constrói através do transformismo de uma só substância, fato que
caracteriza justamente o monismo substancial. Do pensamento de Deus, portanto, parte uma emanação criadora unitária, que Ubaldi denomina substância,
capaz de se converter em tudo o que é possível existir. Indefinível em
sua natureza íntima, tal substrato unitário se constitui, em sua origem,
de uma potência criadora que se dinamiza pela vontade, concretizando-se
em todos os elementos conhecidos e desconhecidos, fazendo do universo
nada mais do que uma abstração da mente divina. Esse conceito torna
espírito, energia e matéria elementos de idêntica natureza que se
diferenciam apenas por íntimo funcionamento dinâmico e nada mais. E
assim, no edifício monista, essas três apresentações fenomênicas têm uma
mesma fonte e não são, absolutamente, geradas em separado como
anteriormente julgávamos. O espírito é a ideia pura, a energia é a ideia
dinamizada progredindo no tempo e a matéria, a mesma ideia encarcerada
no espaço. Tornaremos a esse monismo substancial a fim de visualizá-lo
melhor, mais adiante.
Compreendemos ainda que, embora pareça
um contrassenso ao nosso precário entendimento, o princípio de unidade
se manifesta como uma divisão conceitual dualística e ternária, pois ele
se faz dualidade e trindade ao mesmo tempo. Fato indispensável para se
gerar a complexidade fenomênica universal e que entenderemos melhor ao
apresentarmos os princípios de dualidade e trindade que integram o
funcionamento do Todo.
O monismo, como princípio de unidade,
está então inexoravelmente presente em tudo o que se forma na natureza.
Tudo se origina a partir de uma semente, um núcleo irradiante de
potencialidades criadoras que se desenvolve na multiplicidade da forma.
Por exemplo, somos uma admirável unidade orgânica, uma única vontade
operante de um eu central, manifesto em um universo de 100 trilhões de
células que nasceram de um único óvulo fecundado, expressando
nitidamente o admirável princípio unitário que funciona no Todo e no
particular. E não somente os seres biológicos se desenvolvem a partir de
bases unitárias, pois o universo físico se expandiu a partir de um
ponto mínimo de singularidade, as galáxias são irradiações de um
poderoso núcleo de atração gravitacional e os sistemas solares se
constroem a partir da convergência de diáfanas massas nebulares. No
reino elementar, igualmente, uma única substância, o hidrogênio, é a
base para a formação de todos os 94 elementos naturais. E chegaremos à
compreensão de que um único substrato forma todo o edifício atômico, com
sua variada gama de partículas fundamentais. E uma só força origina
todas as energias do universo, fato que, se ainda é motivo de
perquirições pela nossa ciência, já desponta na intuição humana como uma
verdade fundamental, pronta para concretizar a tão sonhada grande teoria unificada do universo.
Conhecedores de que uma base monista
governa a obra divina, torna-se fácil compreender que o individualismo
separatista, que por vezes nos domina as intenções, é inadequado
sentimento que nos aparta das portentosas forças que sustentam a criação
e nos faz paupérrimos em meio à abundância que nela impera. Por isso,
unificar-se é o sentido da vida e o anseio natural que deve nos mover na
caminhada evolutiva.
Torna-se claro que a abrangente visão monista de
Ubaldi resgata o conceito de um Deus criador, ou seja, o criacionismo
secular, sem negar a verdade inconteste do evolucionismo hodierno. E,
unindo teses e antíteses numa elevada dialética espiritual, nos capacita
a alcançar a visão síntese em que se desenha a geometria cósmica,
satisfazendo-nos o natural desejo de discernimento. Dessa forma, o
monismo efetua uma das mais importantes reconciliações que o homem
moderno, urgentemente, deve empreender: a união das duas irrevogáveis e
aparentemente contraditórias teorias sobre a macroestrutura da criação
que chegaram até os nossos dias, o criacionismo e o evolucionismo, justificando-se a exata posição de cada uma delas no arranjo do Todo.
Belo Horizonte, inverno de 2005
Gilson Freire
Nota: Este artigo integra a obra Arquitetura Cósmica, do mesmo autor e publicada pela Editora INEDE.
Bibliografia:
1) UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 21a ed. Campos dos Goytacazes: Ed. Instituto Pietro Ubaldi, 2001.
2) UBALDI, Pietro. Deus e Universo. 3a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1987.
3) UBALDI, Pietro. O Sistema. 2a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1984.
4) FREIRE, Gilson. Arquitetura Cósmica, Belo Horizonte: INEDE, 2006.
http://www.gilsonfreire.med.br/index.php/ubaldianos/breve-historia-do-monismo
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