segunda-feira, 31 de julho de 2017

Estudo: A Gênese, cap XVIII São Chegados os Tempos



SINAIS DOS TEMPOS

Os tempos assinados por Deus são chegados, dizem-nos de toda a parte, onde grandes eventos vão acontecer para a regeneração da humanidade. Em que sentido deve-se entender estas palavras proféticas? Para os incrédulos elas não têm nenhuma importância; a seus olhos, é apenas a expressão de uma crença pueril sem fundamento; para o maior número dos crentes, ela tem alguma coisa de místico e de sobrenatural que lhes parece ser o precursor da desordem das leis da natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira no que implica na negação da Providência; a segunda no que estas palavras não anunciam a perturbação das leis da natureza, mas seu cumprimento.

Tudo é harmonia na Criação; tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores coisas, nem nas maiores; devemos, pois, a princípio, descartar toda a ideia de capricho inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está marcada para o acontecimento de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha do acordo.

Isto posto, diremos que nosso globo, com tudo o que existe, está sujeito à lei do progresso. Progride fisicamente pela transformação dos elementos que o componham e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Estes dois progressos seguem e caminham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com a do habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações constatadas pela Ciência e que têm sucessivamente tornado habitável por seres de mais e mais aperfeiçoados; moralmente, a humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do adoçamento dos costumes. Ao mesmo tempo em que a melhoria do globo se opera sob o império das forças materiais, os homens concorrem-no pelos esforços de sua inteligência; eles saneiam as regiões insalubres, tornam as comunicações mais fáceis e a terra mais produtiva.

Este duplo progresso acontece de duas maneiras: uma lenta gradual e insensível, a outra por mudanças mais bruscas, a cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido que marca, pelos caracteres talhados, os períodos progressivos da humanidade. Estes movimentos, subordinados nos pormenores ao livre arbítrio dos homens, são, de alguma sorte fatias em seu conjunto, porque são submetidos a leis como as que se operam na germinação, no crescimento e amadurecimento das plantas, atentando que o objetivo da humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades; é porque o movimento progressivo se torna por vezes parcial, isto é, limitado a uma raça ou uma nação e por outras vezes, geral.

O progresso da humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei; ora, como todas as leis da natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo o que seja o efeito destas leis é o resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Portanto, quando a humanidade está madura para liberar um degrau, pode-se dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como se pode dizer também que em tal estação elas são chegadas para a maturidade dos frutos e a colheita.

 Do que o movimento progressivo da humanidade é inevitável porque está na natureza, não se segue que Deus lhe seja indiferente e que, após ter estabelecido as leis seja voltado à inação, deixando as coisas irem todas sozinhas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante, e que seu pensamento anime a todas as coisas sem interrupção; seu pensamento que penetra tudo é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia; que este pensamento cesse um só instante de agir e o Universo será como um relógio sem pendular regulador. Deus vela, pois, incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o Espaço são seus ministros encarregados dos pormenores, conforme as atribuições, aferentes a seu grau de adiantamento.

O Universo é, por sua vez, um mecanismo incomensurável conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências, um imenso governo onde cada ser inteligente tem sua parte de ação sob o olho do soberano Mestre cuja vontade única mantém a unidade por toda a parte. Sob o império deste vasto poder regulador tudo se movimenta, tudo funciona numa ordem perfeita; o que nos parece perturbações são os movimentos parciais e isolados que só nos parece irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudermos abraçar o conjunto, veremos que estas irregularidades são apenas aparentes e que se harmonizam no todo.

 A previsão dos movimentos progressistas da humanidade nada tem de surpreendente entre os seres desmaterializados que veem o alvo para onde tendem todas as coisas, onde qualquer um possui o pensamento direto de Deus e que julgam, nos movimentos parciais, o tempo no qual poderá executar um movimento geral como se julga de adiantamento, o tempo que seja necessário a uma árvore para carregar de frutos, como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo que seja preciso a um astro para completar sua revolução.

Mas todos aqueles que anunciam estes fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, não estão certamente em condição de fazerem eles próprios os cálculos necessários: são apenas ressonâncias; assim o é com Espíritos secundários cuja visão é fechada e que não fazem senão repetir o eu apraz aos Espíritos superiores de lhes revelar.

A humanidade cumpriu, até nossos dias, incontestáveis progressos, os homens, por sua inteligência, chegaram a resultados que não tinham jamais atingidos, com respeito às ciências, artes e bem estar material; resta-lhe ainda um imenso progresso a realizar: é de fazer reinar entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o bem-estar moral. Não lhes era possível, nem com suas crenças, nem com suas instituições ultrapassadas, restos de um outro tempo, boas para uma certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seria um ponto estacionário atualmente. Tal é um jovem estimulado por movimentos impotentes quando vem a idade madura. Não é mais somente o desenvolvimento da inteligência que é preciso aos homens, é a elevação dos sentimentos e, por conseguinte, é preciso destruir tudo o que possa superexcitar em si o egoísmo e o orgulho.

Tal é o período onde vão entrar atualmente e que marcará uma das fases principais da humanidade. Esta fase que se elabora neste momento, é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude; ela poderia, pois ser prevista e predita antecipadamente e é por isso que se diz que os tempos marcados por Deus são chegados.

Neste tempo aqui, não se discute de uma troca parcial de uma renovação limitada a um sítio, a um povo, a uma raça; é um movimento universal que se opera no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que o sejam os maiores opositores aí trabalham por seu desconhecimento; a geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, encontrar-se-á animada de ideias e sentimentos distintos dos que a geração presente que se vai a passos de gigante. O velho mundo estará morto e viverá na História como atualmente os tempos da idade média, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.

De resto, cada um sabe que a ordem das coisas atuais deixa a desejar; após ter de alguma sorte, esgotado o bem-estar material que é o produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento deste bem-estar só pode estar no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem, entretanto poder ainda defini-lo claramente; é o efeito do trabalho íntimo que se opera pela regeneração; tem-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.

 Mas uma troca também radical como a que se elabora não pode acontecer sem comoção; há luta inevitável entre as ideias. Deste conflito, nascerão forçosamente perturbações temporárias até que o terreno seja desobstruído e o equilíbrio restabelecido. É, pois, da luta de ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos, ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram a consequências do estado de formação da Terra, atualmente não são mais as entranhas do globo que se agitam, são as da humanidade.

A humanidade é um ser coletivo em que se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, com esta diferença que umas se completam de ano em ano e outras de século em século. Que se as segue nas suas evoluções através dos tempos e se verá a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.

Ao lado dos movimentos parciais existe um movimento geral que dá a impulsão à humanidade toda inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de avanço. Tal seria uma família composta de vários filhos do qual o caçula está no berço e o primogênito de dez anos e os demais entre eles será ainda um menino; mas, a seu turno ele se tornará um homem. Assim o é nas diferentes frações da humanidade; os mais atrasados avançam, porém não saberão de um pulo para atingir o nível dos mais adiantados.

 A humanidade transformada adulta tem novas necessidades, aspirações mais amplas, mais elevadas, compreende o vazio das ideias de onde surgiu a insuficiência de suas instituições para sua felicidade, não encontra mais no estado das coisas as satisfações legítimas para as quais se sente chamada; é porque sacode, seus idiomas e se solta. Compelido por uma força irresistível, sobre as margens desconhecidas, à descoberta de novos horizontes menos fechados.

E é no momento em que se encontra muito limitado na esfera material, onde a vida intelectual transborda, onde o sentimento da espiritualidade desabrocha, que homens se dizendo filósofos, esperam cumular o vazio pelas doutrinas do nada e do materialismo! Estranha aberração! Estes mesmos homens que pretendem empurrá-la avante, esforçam-se em circunscrevê-la no círculo estreito da matéria da qual aspira sair; fecham-lhe o aspecto da vida infinita e lhe dizem, em lhe mostrando a queda: Nec plus ultra!  (a)

A marcha progressiva da humanidade se opera de duas maneiras, como temos dito: uma gradual, lenta, insensível, caso se considere as épocas próximas, que se traduz por melhoramentos sucessivos nos costumes, as leis, os usos, que só se apercebe à distância como as trocas que as correntes d’água causam na superfície do globo; outro por movimentos relativamente bruscos, rápidos, parecidos com os de uma torrente rompendo seus diques, que lhe fazem transpor em alguns anos o espaço que levou séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que devora em alguns instantes as instituições do passado e aos quais sucede uma nova ordem de coisas que se assentam pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.

Àquele que viver bastante para abraçar as duas versões da nova fase, parecerá que um mundo novo saiu das ruínas do velho; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado; é que, de fato, os homens novos ou melhor regenerados, surgiram; as ideias levadas pela geração que se esvai, fizeram lugar a ideias novas na geração que se cria.

É a um destes períodos de transformação ou caso se queira, de crescimento moral que é vindo à humanidade. Da adolescência passa à idade viril; o passado não pode mais bastar a suas novas aspirações e a suas novas necessidades; não pode mais ser conduzida pelos mesmos meios; não se prende mais, a ilusões e prestígio; é preciso à sua razão nutrir-se de alimentos mais substanciais. O presente é bastante efêmero; sente que seu destino é mais vasto que a vida corpórea, é muito restrita para encerrá-la por inteiro; é porque lança seus olhares no passado e no futuro, a fim de neles descobrir o mistério de sua existência e disso haurir uma consoladora seguridade.

 Quem quer que tenha meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva na produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à humanidade um caminho novo, e lhe descortina os horizontes do infinito; iniciando-o nos mistérios do mundo invisível ele lhes mostra seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto quanto no estado espiritual como no estado corpóreo. O homem não caminha mais na cegueira, sabe de onde vem, para onde vai e porque está na Terra. O futuro se mostra a ele em sua realidade, separada dos preconceitos da ignorância e da superstição; não é mais uma vaga esperança: é uma verdade palpável, também certa para ele como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que seu ser não é limitado a qualquer instante por uma existência efêmera; que a vida espiritual nunca se interrompe pela morte, que já viveu, que reviverá ainda e que, de tudo o que adquirir em perfeição pelo trabalho, nada está perdido; encontra em suas existências anteriores a razão do que é atualmente; e: do que o homem fizer atualmente, pode concluir o que será um dia.

Com o pensamento de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente e que nada tenha sido antes e que nada será, que faz ao homem o progresso ulterior da humanidade? Que lhe importa que ao futuro os povos sejam mais bem governados, mais felizes, mais esclarecidos, melhores uns para os outros? Já que ele não deva retirar nenhum proveito, este progresso não estará perdido para ele? Que lhe serve trabalhar para os que virão depois dele, se não deve jamais os conhecer, se estes são seres novos que pouco após reencontrarão eles próprios no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se encurta forçosamente às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.

Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza de perpetuidade de seu ser espiritual! O que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que esta lei a partir da qual a vida espiritual e a vida corpórea são apenas dois modelos de existência que se alternam para o cumprimento do progresso! O que de mais justo, de mais consolativo senão a ideia dos mesmos seres progredindo sem cessar, a princípio através de gerações do mesmo mundo, e, em seguida, de mundo em mundo até a perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm então um objetivo, porque, trabalhando por todos trabalha-se por si próprio e reciprocamente; de sorte que nem o progresso individual nem o progresso geral são jamais estéreis; aproveita para as gerações e individualidades futuras que não são outras senão as gerações e as individualidades passadas, chegadas a um mais alto patamar de adiantamento.

 A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação é apenas uma forma temporária de existência. Salvo a vestimenta externa, há pois, identidade entre as encarnações e as desencarnações; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diferentes, tanto ao mundo visível como ao mundo invisível se reencontrar, seja num, seja noutro, concorrendo num e noutro para o mesmo fim pelos meios apropriados às suas situações.

Desta lei decola a da perpetuidade das relações entre os seres; a morte não os separa nunca e nem põe termo a suas relações simpáticas nem a seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um e de cada qual por todos; daí também a fraternidade. Os homens não viverão infelizes sobre a Terra senão quando estes dois sentimentos estiverem entrado em seus corações e em seus costumes porque então eles conformarão suas leis e suas instituições. Isto será aí um dos principais resultados da transformação que se opera.

Mas como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte rende a todo sempre os homens estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade de relações que ligam todos os seres, o Espiritismo fundamenta este duplo princípio sobre as próprias leis da natureza; fez disso não somente um dever, mas uma necessidade. Por esta, da pluralidade das existências, o homem se relaciona ao que fez e ao que fará aos homens do passado e aos do porvir; não pode mais dizer que ele nada tem de comum com aqueles que morreram, já que uns e outros se encontram sem cessar, neste mundo e no outro, para galgar junto a escala do progresso e se prestar um mútuo apoio. A fraternidade não está mais circunscrita a qualquer indivíduo que o acaso junta durante a duração efêmera da vida; ela é perpétua como a vida espiritual, universal como a humanidade, que constitui uma grande família onde todos os membros são solidários uns com os outros, qualquer que seja a época em que tenham vivido.

Tais são as ideias que advêm do Espiritismo e que suscitará entre todos os homens e que suscitará entre todos os homens quando for universalmente derramada, contida, ensinada e praticada. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma vá palavra; tem sua razão de ser. Do sentimento de fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais, de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça; desses dois sentimentos bem compreendidos sairão forçosamente as instituições as mais vantajosas ao bem-estar de todos.

A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social; mas não há fraternidade real, sólida e efetiva se ela não estiver apoiada sobre uma base inquebrantável; esta base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares que mudam com os tempos e os povos e se lançam a pedra, porque em se anatematizando, eles mantêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo mundo possa aceitar: Deus, a alma, o futuro, O PROGRESSO INDIVIDUAL INDEFINIDO, A PERPETUIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que este Deus soberanamente justo e bom, nunca pode querer injustiça, que o mal vem dos homens e nunca d’Ele, eles se olharão como irmãos de um mesmo pai e se estenderão a mão.

É esta fé que dá o Espiritismo e que será de agora em diante o agente sobre o qual se moverá o gênero humano quaisquer que sejam seu modo de adoração e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas que, dos quais não se ocupará.

Desta fé só pode sair o verdadeiro progresso moral, porque, apenas ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela o direito é aquele que dá a força, o dever um código humano imposto pela violência. Sem ela o que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, em ser efêmero que só faz passar; o próprio gênio é apenas uma centelha que brilha um instante para se apagar para sempre; não há certamente aí muito que revelar aos seus próprios olhos.

Com um tal pensamento, onde estariam realmente os direitos e os deveres? Qual é o objetivo do progresso? Apenas esta fé faz sentir ao homem sua dignidade pela perpetuidade e progressão de seu ser, não em um futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandiosa e esplêndida; este pensamento se eleva acima da Terra; ele se sente crescer  em sonhando que tem seu papel no Universo; que este Universo é seu domínio, que poderá percorre-lo um dia e que a morte não fará dele uma nulidade ou um ser inútil a si mesmo e aos outros.

 O progresso intelectual ocorrido até nossos dias nas mais vastas proporções, é um grande passo e marca a primeira fase da humanidade, mas só ele é impotente para regenerá-la; tanto que o homem será dominado pelo orgulho e o egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais; é porque ele os aplica ao aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de os destruir.

O progresso moral somente pode assegurar a felicidade dos homens sobre a Terra em colocando um freio às más paixões; só ele pode fazer reinar entre todos, a concórdia, a paz, a fraternidade.

É ele que baixará as barreiras dos povos, que fará tombar os preconceitos de casta, e calar os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se olharem como irmãos chamados a se auxiliarem mutuamente e não a viver na dependência uns dos outros.

É ainda o progresso moral, secundado aí pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens de uma mesma crença estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas à discussão e por isso mesmo, aceitas por todos.

A unidade de crença será o liame, o mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, rompida em todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigo que se torna necessário afastar-se, combater, exterminar, em lugar de irmãos que sejam preciso amar.

 Um tal estado de coisas supõe uma troca radical no sentimento das massas, um progresso geral que só poderia ocorrer saindo-se do círculo de ideias bitoladas e terra a terra que fomentam um egoísmo. Em diversas épocas, homens de elite têm procurado impulsionar a humanidade para este caminho; mas a humanidade ainda muito jovem, permanece surda, e seus ensinamentos, têm sido como a boa semente caída sobre a pedra.

Atualmente, a humanidade amadureceu para levar seus olhares mais alto como ainda não tinha feito, para assimilar ideias mais amplas e compreender aquilo que não havia entendido.

A geração que desaparece levará com ela seus preconceitos e seus erros; a geração que surge, temperada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sadias, imprimirá ao mundo o movimento ascensional, no sentido do progresso moral que deva marcar a nova fase da humanidade.

 Esta fase se revela já por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, por ideias grandes e generosas que se faz dia e que começam a encontrar ecos. É assim que se vê fundar uma quantidade de instituições protetoras, civilizadoras e emancipantes, sob impulso e pela iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais se impregnam cada dia de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos começam a se olhar como os membros de uma grande família; pela uniformidade e a facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras que se separavam; de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais para os torneios práticos da inteligência.

Mas falta a estas reformas uma base para se desenvolver, completar-se e consolidar-se, uma predisposição moral mais geral para frutificar e se fazer aceitar pelas massas. Não o é isto menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que ocorrerá em uma mais larga escala, à medida que o terreno se torne mais propício.

 Um sinal não menos característico do período em que entramos é a relação evidente que se opera no sentido das ideias espiritualistas; uma repulsão instintiva se manifesta contra as ideias materialistas. O espírito de incredulidade que se apoderará das massas ignorantes ou esclarecidas, e lhe tinha feito rejeitar, com a forma, o próprio fundamento de toda crença mostra ter sido um sono ao sair do qual se experimenta o desejo de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde o vácuo se faz, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.

 Neste grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo, inventado por uma crítica escarnecedora, mas o Espiritismo filosófico, tal que o compreenda qualquer um que se dê ao trabalho de procurar amêndoa sob casca.

Pelas provas que traz das verdades fundamentais, ele preenche o vazio que a incredulidade faz nas ideias e nas crenças; pela certeza de que dá de um futuro conforme a justiça de Deus e que a razão a mais severa possa admitir, tempera as acrimônias da vida e previne os funestos efeitos do desespero.

Fazendo conhecer novas leis da natureza, ele dá a chave de fenômenos incompreendidos e de problemas insolúveis até estes dias e destrói a fé incrédula e a superstição. Para ele, não há nem sobrenatural nem maravilhas, tudo acontece no mundo em virtude de leis imutáveis.

Longe de substituir um exclusivismo por outro, coloca-se em combate absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas, e o perfil em sua raiz proclamando a salvação para todos os homens de bem e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegar, por seus esforços à expiação e reparação, à perfeição única que leva à suprema felicidade. Em lugar de desencorajar o fraco, encoraja-o mostrando-lhe a porta que ele pode abrir.

Nunca diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de tolerância que relaciona os homens em um comum sentimento de fraternidade, em lugar de os separar em seitas inimigas.

Por este outro princípio: Não há fé inquebrantável do que a que possa enfrentar a razão face a face a todos os tempos da humanidade, ele destrói o império da fé cega que aniquila a razão,, a obediência passiva que embrutece; emancipa a inteligência do homem e ergue sua moral.

Consequente com ele próprio, não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá, e atende àquele que lhe vier livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão e não pela força. Respeita todas as crenças sinceras e só combate a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da sociedade e os obstáculos os mais sérios ao progresso moral; mas, ele não lança o anátema a ninguém, até mesmo a seus inimigos, porque está convencido de que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos, e que cedo ou tarde aí eles entrarão.

 Caso se suponha a maioria dos homens imbuídos destes sentimentos, pode-se facilmente se representar as modificações que aí aportam nas relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para todos, tolerância para todas as crenças tal será sua divisa. É a meta à qual tende evidentemente a humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos sem que se encontre bem em conta do meio de realizá-los; ensaia, tateia, mas é retida pelas resistências ativas ou a força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São estas resistências que se tornam precisas vencer, e esta será a obra da nova geração; caso se siga o curso atual das coisas, reconhecer-se-á que tudo parece predestinado a lhe franquear a rota, terá por ela o duplo poder do número e das ideias e do mais, a experiência do passado.

 A nova geração marchará, pois, à realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento com o qual será provindo. O Espiritismo, marchando com o mesmo objetivo e realizando suas visões, eles se reencontrarão sobre o mesmo terreno. Os homens de progresso encontrarão nas ideias espiríticas um poderoso móvel de ação e o Espiritismo encontrará nos homens novos espíritos, todos dispostos a acolhê-lo. Neste estado de coisas, que poderão fazer os que quiserem se colocar ao contrário?

Não é o Espiritismo que criou a renovação social, é a maturidade da humanidade que faz desta renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressivas, pela ampliação de suas vistas, pela generalidade das questões que ela abraça, o Espiritismo está, mais que todas as outras doutrinas, apto a secundar o movimento regenerador, é por isso que o é contemporâneo. Ele veio no momento em que podia ser útil, porque, para ele também os tempos são chegados; mais cedo, encontraria obstáculos intransponíveis; teria inevitavelmente sucumbido, já que os homens, satisfeitos daquilo que tinham, não aprovariam ainda a necessidade daquilo ele traz. Atualmente, nascido com o movimento das ideias que fermentaram, encontra o terreno preparado para recebê-lo, os Espíritos, cansados da dúvida e da incerteza, assustados do abismo que se cava ante eles, acolhem-no como uma âncora de salvação e uma suprema consolação.

 Em dizendo que a humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar, então, mostrar-se-ão mais avançados do que se o suponha e seguirão com zelo a impulsão da maioria.

Há, entretanto, os que são essencialmente refratários, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente, não se juntarão jamais, pelo menos, nesta existência: uns, de boa fé, por convicção; outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao estado presente das coisas e que não estão assaz avançados para se fazer abnegação, que o bem geral toca menos que o de sua pessoa, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, para melhor dizer, a verdade para certas pessoas está toda inteira naquilo que não lhe causa nenhum embaraço; todas as ideias progressivas são, a seus olhos, ideias subversivas, isto porque devotam-lhe um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. Pouco inteligentes para não ver no Espiritismo um auxiliar de suas ideias e os elementos da transformação que eles redundam porque eles não se sentem à sua altura, eles se esforçam de abstê-lo; se eles se julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com isso. Nós já o dissemos alhures: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância à violência dos ataques dos quais seja objeto”.

O número de retardatários é ainda grande sem dúvida, mas o que podem eles contra a onda que sobe, senão lançar-lhe algumas pedras? Esta onda é a geração que se ergue, ao passo que eles desaparecem com a geração que se vai cada dia a largos passos. Até aí, defenderão o terreno passo a passo; há, pois, uma luta inevitável, mas uma luta desigual, porque é aquela do passado decrépito que cai em trapos, contra o futuro jovem; da estagnação contra o progresso, da criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos assinalados por Ele são chegados.

NOTA DO TRADUTOR

(a) Do latim: Nem mais além.

A Gênese - Allan Kardec

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