Vossa terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias? A voz do profeta não soa ainda aos ouvidos? Não clamou ele que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores? Vós que nele vieste viver, esperai, pois lágrimas ardentes e penas amargas, e quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores, voltai os olhos para o céu e bendizei ao Senhor, por vos ter querido provar! Oh! Homens! Não reconhecerei o poder de vosso Senhor, senão quando ele curar as chagas de vosso corpo encher os vossos dias de beatitude e de alegria? Não reconhecereis o seu amor, senão quando ele adornar vosso corpo com todas as glorias, e lhe der o seu brilho e o seu alvor? Imitia aquele que vos foi dado para exemplo. Chegado ao último degrau da abjeção e da miséria, estendido sobre um monturo, ele clamou a Deus: “Senhor”! Conheci todas as alegrias da opulência, e vós me reduzistes a mais profunda miséria! Graças, graças, meus Deus, por terdes querido provar o vosso servo! Até quando os vossos olhos só alcançarão os horizontes marcados pela morte? Quando, enfim, vossa alma quererá lançar-se além dos limites do túmulo? Mas, ainda que tivésseis de sofrer uma vida inteira, que seria isso, ao lado da eternidade de gloria reservada àquele que houver suportado a prova com fé, amor e resignação? Procurai, pois, a consolação para os vossos males no futuro que Deus vos prepara, e vós, os que mais sofreis, julgai-vos-eis os bem-aventurados da Terra.
Como desencarnados, quando vagueáveis no espaço, escolhestes a vossa prova, porque vos consideráveis bastante fortes para suportá-la. Por que murmurais agora? Vós que pedistes a fortuna e a glória, o fizestes para sustentar a luta com a tentação vencê-la. Vós, que pedistes para lutar de alma e corpo contra o mal moral e físico, sabíeis que quanto mais dura fosse à prova, mais gloriosa seria a vitória, e que, se saísses triunfante, mesmo que vossa carne fosse lançada sobre um monturo, na ocasião da morte, ela deixaria escapar uma alma esplendente de alvura, purificada pelo batismo da expiação e do sofrimento.
Que remédios, pois, poderíamos dar aos que foram atingidos por obsessões cruéis e males pungentes? Um só é infalível; a fé, voltar os olhos para o céu. Se, no auge de vossos mais cruéis sofrimentos, cantardes em louvor ao Senhor, o anjo de vossa guarda vos mostrará o símbolo da salvação e l lugar que devereis ocupar um dia. A fé é o remédio certo para o sofrimento. Ele aponta sempre os horizontes do infinito, ante os quais se esvaem os poucos dias de sombras do presente. Não mais nos pergunteis, portanto, qual o remédio da fé, e aquele que duvida um segundo da sua eficácia é punido, na mesma hora, porque sente imediatamente as angústias pungentes da aflição.
O Senhor pôs o seu selo em todos os que creem nele. Cristo vos disse que a fé transporta montanhas. Eu vos digo que aquele que sofre e que tiver a fé como apoio, será colocado sob a sua proteção e não sofrerá mais. Os momentos mais dolorosos serão para ele como as primeiras notas d alegria da eternidade. Sua alma se desprenderá de tal maneira de seu corpo, que , enquanto este se torcer em convulsões, ela pairá nas regiões celestes, cantando com os anjos os hinos de reconhecimento e de glória ao Senhor.
Felizes os que sofrem e choram! Que suas almas se alegrem, porque serão atendidas por Deus.
Santo Agostinho – Paris - 1863
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