Para nossa cultura ocidental, a questão de Deus começa no
Valeo do Ur. Na Caldéia, onde um pastor, Abraão, cultua um Deus invisível.
Jeová. Esse Jeová tornou-se nosso Deus, o Deus dos cristãos, pela força da
tradição judaico-cristã, que domina nossa cultura.
A partir de Abraão, o povo judeu que dele descende, segundo
a tradição bíblica, desenvolveu o culto do Deus único e invisível, que prometeu
a Israel a hegemonia sobre todos. Jeová é o todo-poderoso Deus da guerra, protetor
dos judeus contra seus inimigos, que fez o sol parar para o exército de Josué
vencesse os filisteus, chover maná no deserto para matar a fome dos retirantes
e derrubou as muralhas de Jericó, e ditou as tábuas dos dez mandamentos.
Os Judeus lutaram, pagaram com a vida, a fidelidade ao Deus
único e invisível. A Bíblia é sua história, pontilhada de crimes, assassinatos,
traições, dissenções e discórdias. Os Judeus e os cristãos fizeram dela “a
palavra de Deus” e julgaram – como é natural – que “seu” Deus era o verdadeiro
e o mais forte.
Mas, enquanto os descendentes de Abraão mantiveram sua
fidelidade ao Deus único e invisível, os cristãos não aguentaram a pressão,
sucumbiram diante do apelo das massas e humanizaram-no na figura de Jesus de
Nazaré que passou a ser encarnação do mito judaico do Messias, embora os judeus
o tenham repudiado como tal.
Ainda que Jesus quisesse ser apenas o que foi, isto é o
Mestre, a igreja transformou-o na encarnação do Deus-vivo, Os deuses antigos
eram quase sempre mortos, isto é, objetos ou representações de animais ou
pessoas, que possuíam uma vida intrínseca, uma imortalidade difusa. Mas os
cristãos criaram seu próprio Deus-vivo. E, no mistério da santíssima trindade,
retomaram símbolos antigos, dividiram a divindade em três partes, mas apesar
disso mantiveram a indivisa.
Dessa forma, o jovem nascido em Nazaré, filho de Maria e
José, passou historicamente a nascer em Belém, de uma virgem, para coincidir
com os textos proféticos. Depois se transmudou para seu próprio Pai, mantendo a
posição de Filho e, ainda por cima, se manifestando como o Espírito Santo. Com
essa alquimia semântica e confessional, a Igreja tentava manter a unidade da
pessoa de Deus – já que sua visão é antropomórfica – mas fazendo-a
tripartir-se, de modo que ao mesmo tempo estava no “céu”, como Pai, na Terra
como Filho e no espaço como Espírito Santo.
Incapacitados de manter a fidelidade judaica, os povos
catequizados pelo cristianismo, exigiam, para satisfazer sua atávica ligação
com deuses particulares e palpáveis formas concretas para adorar. Sobrevieram
os vários deuses cristãos, que a modo do Olimpo grego, dos costumes romanos e
outros povos pagãos, protegem a família, o parto, a fertilidade, as
corporações, como patronos ou santos de devoção.
Jaci Regis – Do Homem e Do Mundo pg 22 e 23
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