A morte é apenas uma mudança de estado, a destruição de uma forma frágil que não mais fornece à vida as condições necessárias para seu funcionamento e sua evolução. Para além do túmulo, uma outra fase da existência se abre. O espírito, sob sua forma fluídica, imponderável, prepara-se para novas reencarnações e encontra em seu estado mental os frutos da última existência que findou.
A vida está por todos os lugares. A natureza inteira nos mostra, em seu quadro maravilhoso, a renovação perpétua de todas as coisas. Em parte alguma existe a morte, tal qual, em geral, é considerada entre nós; em nenhuma parte existe o aniquilamento. Nenhum ser pode morrer no seu princípio de vida, na sua unidade consciente. O universo transborda de vida física e psíquica.
A morte é apenas um eclipse momentâneo nessa grande revolução de nossas existências. Mas esse instante é o suficiente para nos revelar o sentido grave e profundo da vida. A própria morte pode ter sua nobreza, sua grandeza. Não devemos temê-la, e sim nos esforçar para embelezá-la, preparando-nos para ela continuamente pela pesquisa e pela conquista da beleza moral, a beleza do espírito, que molda o corpo e o orna com um reflexo sublime na hora das separações supremas.
O ódio e as más paixões não resistem a esse espetáculo. Diante do corpo de um inimigo, toda animosidade é abrandada, todo desejo de vingança desaparece. À frente de um caixão, o perdão parece mais fácil, o dever, mais imperioso.
Toda morte é um parto, um renascimento. O nascimento é como uma morte para a alma. Ela é encerrada com seu corpo etéreo, o perispírito, no túmulo da carne. O que chamamos de morte é simplesmente o retorno da alma à liberdade, enriquecida com as aquisições que pôde fazer no decorrer de sua vida terrestre.
A manifestação de uma vida até então oculta em nós, vida invisível da Terra que vai reunir-se com a vida invisível do espaço. Após um tempo de perturbação, voltamos a nos encontrar, do outro lado do túmulo, na plenitude de nossas faculdades e de nossa consciência, junto dos seres amados que compartilharam as horas tristes ou alegres de nossa existência terrestre. O túmulo guarda apenas o pó. Elevemos mais alto nossos pensamentos e nossas recordações, se quisermos encontrar de novo o rastro das almas que nos foram queridas.
A morte é para ele a entrada num mundo de vida mais rico de impressões e de sensações. Não só não ficamos privados das riquezas espirituais como também essas aumentam com novos recursos, tanto mais extensos e variados quanto melhor a alma se tiver preparado para desfrutá-los.
A morte nem sequer nos priva das coisas deste mundo. Continuaremos a ver aqueles que amamos e deixamos atrás de nós. Do seio dos espaços, seguiremos o progresso deste planeta; veremos as mudanças que ocorrem na superfície; assistiremos às novas descobertas, ao desenvolvimento social, político e religioso das nações. E, até a hora de nosso regresso à carne, par- ticiparemos de tudo isso fluidicamente, auxiliando, influenciando, na medida de nosso poder e de nosso adiantamento, aqueles que trabalham em proveito de todos.
A morte, ela nos diz, não muda em nada a nossa natureza espiritual, os nossos caracteres, o que constitui o nosso verdadeiro “eu”. Ela apenas nos torna mais livres, dá-nos uma liberdade cuja extensão se mede de acordo com o grau de nosso adiantamento. Tanto de um lado quanto de outro, temos a possibilidade de fazer tanto o bem quanto o mal, a facilidade de nos adiantar, de progredir e de nos reformar. Por todas as partes reinam as mesmas leis, as mesmas harmonias, as mesmas potências.
O amor que nos chama a esse mundo nos atrai mais tarde para o outro; mas em todos os lugares, amigos, protetores, arrimos esperam por nós. Enquanto nesse mundo choramos a partida de um dos nossos, como se ele fosse se perder no nada, acima de nós seres etéreos glorificam sua chegada à luz, da mesma maneira que nós comemoramos a chegada de uma criancinha cuja alma vem novamente surgir para a vida terrestre. Os mortos são os vivos do céu.
Muitas pessoas temem a morte por causa dos sofrimentos físicos que a acompanham. Sofremos, é verdade, na doença que acaba na morte, mas também sofremos nas doenças de que nos curamos.
Sobre os laços que unem a alma ao corpo, tudo o que os pode diminuir, enfraquecer, tornará a separação mais rápida e a mudança menos dolorosa.
Se a morte é quase sempre isenta de sofrimento para aquele cuja vida foi nobre e bela, o mesmo não acontece com os sensuais, os violentos, os criminosos, os suicidas.
Assim que a passagem é feita, uma espécie de perturbação, de entorpecimento, invade a maior parte de almas que não souberam se preparar para a partida. Se o olhar humano não pode passar bruscamente da obscuridade para a luz, o mesmo acontece com a alma. A morte nos faz entrar num estado transitório, uma espécie de prolongamento da vida física e anterior à vida espiritual. É o estado de perturbação, estado mais ou menos prolongado, conforme a natureza espessa ou etérea do perispírito.
Nesse estado, suas faculdades ficam veladas; só passam a perceber as coisas em meio a um nevoeiro mais ou menos denso. A duração dessa perturbação varia de acordo com a natureza e o valor moral delas. Pode ser muito prolongada para as mais atrasadas e até mesmo durar vários anos. Depois, pouco a pouco, o nevoeiro vai ficando mais claro; as percepções se tornam mais nítidas. O espírito recupera sua lucidez; desperta para a nova vida, a vida do espaço. Instante solene para ele, mais decisivo, mais formidável que a hora da morte, porque, de acordo com seu valor e seu grau de pureza, esse despertar será calmo e delicioso ou cheio de ansiedade e sofrimento.
No estado de perturbação, a alma está consciente dos pensamentos dirigidos a ela. Os pensamentos de amor, de caridade, as vibrações dos corações afetuosos brilham para ela como raios na neblina que a envolve e a ajudam a se separar dos últimos laços que a prendem à Terra, a sair da sombra em que está imersa.
Livre do fardo material que a oprimia, a alma acha-se ainda envolvida na rede dos pensamentos e das imagens – sensações, paixões, emoções – gerada por ela no decurso das suas vidas terrestres; terá de familiarizar-se com a sua nova situação, tomar consciência do seu estado, antes de ser levada para o meio cósmico adequado ao seu grau de luz ou densidade.
Não é bom nos entregarmos desmedidamente à dor da separação. Certamente que as lamentações da partida são legítimas e as lágrimas sinceras são sagradas; porém, se essas lamentações são muito exageradas, entristecem e desanimam aquele a quem são dirigidas e, muitas vezes, testemunha delas. Em vez de lhe facilitarem o vôo para o espaço, elas o prendem nos lugares onde sofreram e onde ainda estão sofrendo aqueles que lhe são caros.
O conhecimento que pudemos adquirir das condições da vida futura exerce uma grande influência sobre nossos últimos momentos. Ele nos dá mais segurança; abrevia a separação da alma
Em resumo, o melhor meio de garantirmos uma morte suave e tranqüila é viver dignamente, com simplicidade e sobriedade, com uma vida sem vícios nem fraquezas, desligando-nos antecipadamente de tudo o que nos prende à matéria, idealizando nossa existência, povoando-a com pensamentos elevados e com ações nobres.
O mesmo acontece com as condições boas ou ruins da vida de além-túmulo. Elas também dependem unicamente da maneira pela qual desenvolvemos nossas tendências, nossos apetites, nossos desejos. É no presente que é preciso se preparar, agir, se reformar, e não no momento em que se aproxima o fim terrestre.
Não temos outro juiz ou algoz no além-túmulo a não ser a nossa própria consciência.
Façamo-nos almas poderosas, ricas de ciência e de virtude, aptas para as obras grandiosas, e elas criarão por si mesmas um lugar nobre na ordem eterna. Pela alta cultura moral, pela conquista da energia, da dignidade, da bondade, esforcemo-nos para atingir o nível dos grandes espíritos que trabalham pela causa da humanidade, e mais tarde iremos saborear com eles as alegrias reservadas ao verdadeiro mérito. Então, a morte, em vez de ser um espantalho, irá se tornar, para nós, um benefício, e poderemos repetir as palavras célebres de Sócrates: “Ah! Se é assim, deixai que eu morra muitas vezes! ”
Extraido do livro O problema do ser cap a morte
Dedico ao meu padrasto Rafael Sanches Filho que deixou boas recordações. Voltou para a pátria espiritual em 21/11/15.
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